O investidor norte-americano, Michael Burry, que previu a queda do imobiliário em 2008, acusou, na rede social X (antigo Twitter), as grandes tecnológicas de estarem a “subestimar” a depreciação, e a “prolongar artificialmente” a vida útil dos ativos como forma de aumentarem os seus lucros.
“Aumentar massivamente o investimento de capital através da compra de chips/servidores da Nvidia num ciclo de produto de dois a três anos não deveria resultar no prolongamento da vida útil dos equipamentos informáticos”, acrescentou Michael Burry, considerando que esta prática representa uma fraude.
O investidor norte-americano calculou que as grandes tecnológicas entre 2026 e 2028 estão a subestimar a depreciação [dos seus ativos] em cerca de 176 mil milhões de dólares (151 mil milhões de euros), acrescentando que até 2028 a Oracle vai sobrevalorizar os seus ganhos em 26,9% e a Meta em 20,8%.
Mas será que a denúncia feita por Michael Burry tem razão de ser? Os analistas consultados pelo Jornal Económico (JE) admitem que algumas empresas tecnológicas estão de facto a alongar a vida útil dos seus ativos, o que permite aumentar os lucros a curto prazo.
O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, assinala que “é certo” que várias grandes tecnológicas aumentaram a vida útil contabilística de servidores, equipamento de rede e hardware de inteligência artificial, uma prática que permite “reduzir” a depreciação anual e “subir” o lucro reportado no curto prazo.
“A Meta, por exemplo, passou a depreciar certos ativos por cinco anos e meio e estimou menos 2,9 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) de depreciação em 2025. Também a Oracle subiu a vida útil de servidores de cinco para seis anos, tendo referido que isso aumentaria o lucro líquido de 2025 em cerca de 573 milhões de dólares (494 milhões de euros)”, explica Paulo Monteiro Rosa.
O analista da XTB, João Cruz, salienta que em termos conceptuais a preocupação levantada por Michael Burry “tem algum fundamento” tendo em conta que algumas grandes tecnológicas têm, de facto, “alongado” a vida útil contabilística dos seus ativos.
“Esta prática reduz a depreciação anual e aumenta os lucros reportados no curto prazo, sem alterar os fluxos de caixa, algo que abre espaço para um debate legítimo sobre a qualidade dos resultados, ainda que enquadrado nas regras contabilísticas vigentes”, salienta João Cruz.
“Michael Burry levanta um ponto válido quando critica as grandes tecnológicas por prolongarem a vida útil dos servidores e GPUs (circuito que processa e renderiza imagens e vídeos) utilizados em inteligência artificial. Essa prática é real: várias empresas atualizaram recentemente as estimativas de vida útil deste hardware, o que, na prática, reduz a depreciação anual e aumenta o lucro líquido reportado. Do ponto de vista contabilístico, há, portanto, um “boost” nos resultados que decorre diretamente desta decisão”, considera o analista da ActivTrades, Henrique Valente.
“Se porventura as empresas fossem obrigadas a rever em baixa a vida útil destes ativos, isso poderia levar a uma compressão dos múltiplos de valorização”, refere Henrique Valente.
O analista da XTB adianta também que outro ponto de relevo passa por determinar se a magnitude da alegada “sobrevalorização” apontada por Burry [os tais 151 mil milhões de euros] se poderá concretizar nos termos apresentados. “A estimativa da vida útil económica destes ativos é, por natureza, subjetiva, sujeita a auditoria, e até ao momento não existe evidência de qualquer irregularidade”, defende o analista da XTB.
Já o analista da ActivTrades, Henrique Valente, salienta que “não está demonstrado” que o impacto na vida útil [dos ativos] seja tão “extremo” como Michael Burry sugere e que a opção destas grandes tecnológicas “configure fraude”.
O economista sénior do Banco Carregosa assinala que uma das questões que fica em aberto, na denúncia feita por Michael Burry, é tentar perceber se essas vidas úteis [dos ativos] “são significativas” face à realidade económica.
Subvalorizar depreciações para ter maiores lucros
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A prática foi denunciada por Michael Burry. Analistas consultados pelo JE dão razão ao investidor mas levantam dúvidas sobre o nível de subvalorização avançado pelo norte-americano.