Na Baviera realizaram-se, há duas semanas, as Olímpidas da Barba. Uma centena de garbosos varões alemães, suíços, austríacos, neerlandeses e israelitas competiram pela medalha de ouro em 19 categorias, como bigode ou barba completa, e que se subdividiam em estilos: bigode Salvador Dalí, Verdi, Imperador, Natural ou Livre. Era proibido usar lacas, para amansar os pelos verdadeiros. Ao contrário do que algumas mentes tortuosas colocaram a circular, categorias como bigode à António Costa, patilhas à Francisco Rodrigues dos Santos ou barba à Rui Rio, não fizeram parte do cardápio. Dispensamos, para já, a cadeira do barbeiro para o doutor Jerónimo e para a doutora Catarina, porque o seu discurso não se alterará com outra estética. Não que isso incomode os eleitores portugueses, mas é claro, seria uma oportunidade para perceber melhor o que divide os políticos nacionais. Também não consta que os eventuais candidatos tenham ido até à Alemanha para se inspirar de forma a atrair eleitores para as suas inexistentes ideias e excessivas tácticas partidárias.
As eleições não são concursos de barba e bigode. Parecem antes o “day after” de um Halloween pindérico. Afinal não se espera muito das próximas eleições. As propostas dificilmente deixarão de ser fotocópias, diligentemente fornecidas por um funcionário partidário, a que se acrescentam os excitantes fundos do PRR, o Plano de Paciência, Resistência e Resignação. Como candidatos a primeiro-ministro teremos o doutor António Costa pelo PS. Pelo PSD, depende do resultado do combate de Muay Thai entre o doutor Rui Rio e o doutor Paulo Rangel. Na plateia estará o doutor André Ventura, à espera que, mesmo que não seja convidado para um qualquer noivado governamental, possa ajudar a derrubar o “socialismo”, o imigrantismo e outros ismos irritantes. Afinal, mesmo que não faça parte de uma maioria para remover o doutor Costa, o doutor Ventura poderá gritar como Júlio César: “Vae Victis!” A nota de cobrança chegará via CTT Expresso, mais tarde ou mais cedo, a São Bento se a direita vencer. Não mudará muito: a asteridade deixará de se chamar cativações, o SNS continuará a ser esvaziado para benefício de outros, a escola pública continuará a encolhar, a cultura a ser uma miragem. A sucessão (ou o mais do mesmo) será feita sem o poder cair na rua. E continuará a depender das ordens de Bruxelas.
Portugal continua a vegetar na sua pequenez. O doutor Costa achou que não valia a pena ir à COP26, assunto com que escusa de se preocupar, porque o aquecimento só acontece aos outros e não vai haver falta de água para as explorações intensivas em Odemira. Não há nada a fazer. A crise faz parte de Portugal. Por isso qualquer anúncio sobre o seu fim é sempre manifestamente exagerado. A crise é mutante e adapta-se. Alguns ainda se lembram quando em finais de 2006 o doutor Manuel Pinho decretou o fim da crise. Todos se riram da piada, menos o próprio. A crise em Portugal sobrevive a todas as recuperações e recessões internacionais, porque é uma duvidosa qualidade muito nossa. Como escrevia há muitos anos Antero de Quental, os partidos “perderam a noção da realidade; e enquanto o mundo se transforma vão repetindo maquinalmente as costumadas teses duma filosofia caduca e que já nem compreendem”. A crise não é só na economia do dia-a-dia. É, há muito, cultural e social. É isso que tolhe a criatividade, que impede a discussão crítica, que afoga a sociedade civil. Portugal é um país sem projeto e sobrevive de “trade offs” diários. É por isso que, nestes termos, é impossível decretar ou vislumbrar o fim da crise.
Há quem, por campos e vales, sustente que as próximas eleições são uma versão pobre da terceira temporada da série “Sucession”. Nesta, Kendall Roy, o filho traidor que fala por monossílabos, quer retirar do poder o pai tirano, Logan Roy. Tudo se passa no mundo tóxico de uma família poderosa e rica, como convém, onde se cometem abusos, traições e conspirações. Enquanto o pai Logan, uma espécie de Rei Lear de Shakespeare, que prepara a luta (“é a guerra!”, diz) contra o filho Kendall, os outros rebentos fogem da gaiola para tentarem a sua sorte, sejam Roman (um “Joker” desmiolado) ou Shiv. Mas alguém terá algum dia de herdar a Waystar Royco, que, convenhamos, poderia ser um Portugal dos pequenitos.
A série, claro, não traz nada que já não tenhamos visto em décadas anteriores: basta relembrar “Dallas” (do inexcedível maldoso que era J. R. Ewing) ou “Dinastia”. “Sucession” tem é telemóveis. Na realidade os autores tentam criar uma espécie de “Guerra dos Tronos” em que se transforma a fantasia para se falar da política atual. “Guerra dos Tronos” era sobre o poder. Tal como “Os Sopranos” era sobre a família. Em “Sucession” o importante não é o poder, nem a família. É uma série sobre o trauma de filhos que foram os servos da gleba do pai. E que agora acham que podem ser poderosos.
“Sucession” diz-nos muito sobre a sociedade atual e a ideologia que divide o mundo em vencedores e perdedores, como se nada mais existisse. A política nacional, nestes momentos, parece um filme a preto e branco da ficção televisiva. No meio da crise que se adivinha, travam-se guerras de egos. País reputado internacionalmente em questões de decadência e crise, Portugal vive para a ambição e cupidez. Há crise económica. Conhece-se a crise política. Há uma decadência intelectual que assusta. As eleições poderiam ajudar a elevar o nível e tentar que fugíssemos à mediocridade. Mas, perante isso, os líderes colocam uma abóbora a proteger a cabeça. E dizem que querem salvar-nos. Doçura ou travessura?