Rogério Ferreira Fernandes, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, disse, esta terça-feira, que o Orçamento do Estado para 2024 tem números bons para apresentar em Bruxelas, mas que do ponto de vista fiscal não é altura para fazer grandes mexidas.
“Acho que não é o momento adequado para descer os impostos, apesar do que vários partidos políticos têm, de facto, tentado sustentar”, afirmou na conferência Orçamento do Estado 2024 organizada pel’O Jornal Económico, em parceria com a EY, que decorreu no CCB, em Lisboa.
Razões? "Ainda estamos perante um momento de inflação, em desaceleração, mas com preocupações inflacionistas", "a dívida pública aumentou, embora em percentagem do PIB possa vir a diminuir", e por outro lado ainda, "as taxas de juro vão continuar a aumentar no futuro ao que tudo o indica". Ainda no que respeita a inflação - a diminuição do IRS provoca naturalmente maior consumo público e este é gerador de mais inflação.
A conjuntura internacional e os desafios da economia portuguesa aconselham precaução. Nesse sentido, Rogério Ferreira Fernandes propõe que o excedente orçamental seja aproveitado para "amortizar parte da dívida pública", tendo em atenção que, conforme tem sido dito, uma diminuição de 0,1% da dívida pública representa 60 milhões de euros. "É o momento certo para os vários partidos do chamado arco governativo se unirem" em torno desse propósito.
"Há opções, umas que são políticas e outras que são técnicas. Há que ponderar as duas. Este também seria o momento mais certo para olhar para a despesa antes de olhar para a receita", concluiu, acrescentando que falar da dívida pública e dos juros da dívida pública é falar de despesa.
Já do ponto de vista da apresentação, considerou ser "um bom Orçamento" e explicou porquê: “Olhando para os números, verificamos que a inflação está a descer, apresenta um número razoável para o ano, o desemprego continua com os números também agradáveis, a dívida pública em função do PIB baixa dos 100%, o que também é bom, (...) poder dizer que não temos défice e que temos ainda excedente, o investimento público também aumenta, resta saber se aumenta mesmo..." Também é para esta big picture que as agências de rating olham.
Na conferência Orçamento do Estado 2024 do Jornal Económico/EY, o antigo secretário de Estado considerou que não é através da fiscalidade que se resolvem os maiores problemas do país. "O que as empresas pedem é fiscalidade com previsibilidade e isso não tem acontecido e continua a não acontecer", referiu.
Assinalou também a falta de afinação de muitas medidas e a inexistência, na maior parte das vezes, da medição da relação custo-benefício de uma medida quer quando é implementada quer quando cessa. É o caso do regime de não residentes que o primeiro-ministro, António Costa disse acabar porque já cumpriu a sua missão. Na perspetiva do fiscalista, as razões anunciadas "são curtas" para que se perceba melhor porque se está a criar um regime com regras diferentes. "Não só não houve estudos públicos pelo menos conhecidos como a relação custo-benefício não foi bem avaliada", sublinhou.
De igual modo, a comunicação externa também não foi bem feita. O regime foi apresentado como tendo chegado ao fim, quando, na realidade, o que acontece é que vai ser reformulado, adiantou em linha com o que minutos antes disse Anabela Silva, partner da EY People Advisory Services Leader. "O regime não acaba efetivamente. O regime é reformulado”.
Numa economia periférica como a portuguesa, mas que é uma economia aberta à Europa e ao mundo, e numa conjuntura internacional tão complicada como a atual, Rogério Ferreira Fernandes aconselha a ter cuidado com a comunicação e com as mensagens que são passadas aos investidores lá fora.