A proposta de Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano prevê um conjunto de alterações ao Programa Regressar, que garante benefícios fiscais aos ex-residentes que queiram voltar a Portugal. Porém, a proposta orçamental deixa cair a regra que prevê que o programa destina-se a contribuintes que tenham tido residência fiscal em Portugal no passado e pretendam voltar ao país. A manter-se este articulado, pessoas que nunca viveram em Portugal mas pretendam fixar-se no país poderão também beneficiar deste regime mais favorável que isenta de IRS metade dos rendimentos.
Na prática, poderemos estar perante uma alternativa ao regime dos residentes não-habituais, que será extinto com o OE2024, segundo os fiscalistas ouvidos pelo Jornal Económico. Esta medida, que consta do OE2024, causou alguma polémica sobretudo no sector do imobiliário, dada a importância que os investidores internacionais têm nos segmentos premium.
Quanto ao Programa Regressar, de acordo com as regras atuais podem beneficiar deste regime os contribuintes que, tendo-se tornado residentes entre 2019 e 2023, tenham tido residência fiscal em Portugal até três anos antes do ano em que regressaram ao país. Ou seja, os contribuintes que tenham regressado em 2019 deverão ter vivido em Portugal até 31 de dezembro de 2015. E assim sucessivamente: os contribuintes que se tornaram residentes em 2023 deverão ter tido residência fiscal em Portugal até 31 de dezembro de 2019. Estes contribuintes têm direito a uma isenção fiscal no IRS sobre 50% dos seus rendimentos de trabalho dependente ou profissionais e empresariais.
Porém, as novas regras do Programa Regressar, que constam da proposta de OE2024, não referem a obrigatoriedade de ter sido residente em Portugal anteriormente e estabelecem um tecto máximo de 250 mil euros para a referida isenção de IRS. Além disso, estabelecem a obrigatoriedade de as pessoas abrangidas pelo programa não terem sido residentes fiscais em Portugal nos cinco anos anteriores, condição esta que será cumprida por qualquer pessoa que nunca tenha residido no país.
Uma lacuna na lei ou uma alteração intencional?
Estas alterações foram assinaladas por Anabela Silva, fiscalista da EY, durante a conferência que ontem teve lugar sobre o OE2024, organizada pela consultora e pelo Jornal Económico. Deixando em aberto se considera tratar-se de uma lacuna na lei ou de uma alteração intencional, a especialista afirmou que, a manter-se este articulado na versão final do Orçamento do Estado para 2024, o regime fiscal dos ex-residentes tornar-se-á acessível tanto aos cidadãos portugueses que queiram voltar ao país após alguns anos no exterior, como aos estrangeiros que nunca tenham vivido em Portugal.
"De acordo com a nova redação, não se exige que a pessoa tenha estado anteriormente em Portugal”, explicou Anabela Silva durante o debate, referindo-se às novas regras do Programa Regressar previstas na proposta de OE2024.
A partner da EY elencou, de seguida, os critérios para beneficiar das vantagens deste regime: "Não ter sido residente nos últimos cinco anos; tornar-se residente; ter a situação tributária regularizada. Apesar da epígrafe continuar a chamar-se ex-residentes, de acordo com a redação atual não há limitação”, salientou Anabela Silva, defendendo que, neste momento, esta regra "poderia ser aplicada a uma pessoa que nunca tivesse residido em Portugal".
Por sua vez, Rogério Fernandes Ferreira, fiscalista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que também participou como orador na conferência, disse ao Jornal Económico que esta alteração abre a porta a que o Programa Regressar se transforme numa versão revista do regime dos Residentes Não-Habituais, cuja extinção está prevista na proposta de OE2024.
"De facto houve essa alteração que abre a porta a que qualquer cidadão possa beneficiar do Programa Regressar, mesmo que nunca tenha vivido em Portugal. A menos que o texto seja entretanto alterado, estaremos perante um 'Programa Ingressar' em vez de um 'Programa Regressar'", disse o fiscalista ao JE.
Questionada pela Lusa no dia 12 de outubro, a respeito deste tema, fonte oficial do Ministério das Finanças referiu que a intenção do Executivo é manter o Programa Regressar "tal como ele existe", remetendo para o processo de aprovação do Orçamento na Assembleia da República "qualquer clarificação que se repute necessária para benefício da clareza e da segurança jurídica".
Até ao fecho, não foi possível obter esclarecimentos adicionais de fonte oficial das Finanças.