Anabela Silva, partner da EY People Advisory Services Leader, foi o rosto do IRS na conferência Orçamento do Estado 2024 organizada pel’O Jornal Económico, em parceria com a EY, que esta terça-feira decorreu no CCB, em Lisboa.
"As mudanças refletem as prioridades que o Governo definiu para o Orçamento do Estado em 2024", afirmou, salientando que uma dessas prioridades foi o reforço do rendimento das famílias para fazer face ao contexto de incerteza em que vivemos, de alta inflação e agravado por mais um conflito.
A redução transversal do IRS é, porventura, a medida mais emblemática da proposta do OE2024 entregue na Assembleia da República e faz-se sobretudo através de três medidas, como explicou Anabela Silva: 1) Atualização dos escalões à taxa de 3%; 2) A redução das taxas progressivas do IRS para os 5 primeiros escalões e 3) A atualização do mínimo de existência para o salário mínimo.
Segundo a especialista atualizou-se o valor de referência do mínimo de existência para aumentar para 11.480 euros, que é precisamente os 820 euros vezes 14 meses. Caso contrário, o salário mínimo iria passar a pagar impostos em 2024.
“A fórmula adotada, que coloca o valor fixo, significa que todos os anos nós vamos ter que atualizar este valor porque senão corremos sempre o risco de, havendo atualizações do salário mínimo, haver esse pagamento. Era provavelmente mais fácil recuperar uma fórmula anterior que era remeter pura e simplesmente para 14 vezes a retribuição mínima”, considerou.
No que respeita à redução das taxas progressivas de IRS até ao quinto escalão, a partner da EY adiantou que, ainda que proporcionalmente os escalões até ao quinto escalão beneficiem mais, “na generalidade das simulações que efetuámos, as famílias portuguesas vão efetivamente pagar menos imposto em 2024 do que em 2023 por via desta redução das taxas progressivas”.
A especialista em IRS da EY lembrou que as deduções à coleta não são alteradas desde 2013, uma manutenção que, “de facto, se traduz num agravamento”.
A atualização dos escalões de IRS à taxa de 3% mereceu-lhe a seguinte análise: As previsões do Governo para a inflação em 2024 apontam a 2,9%. Se se concretizar, tudo bem. Porém, explicou Anabela Silva, “se as empresas, por exemplo, valorizarem os salários em mais do que 2,9% (vamos supor 3% ou 4% ou 5%) isso significa que haverá aí um agravamento da carga fiscal pelo facto dos escalões só estarem a ser atualizados a essa taxa”.
De qualquer forma, salientou, “esta redução transversal do IRS não introduz nenhuma reforma estrutural no IRS. Ou seja, continuamos a ter um IRS caracterizado pela hiper-progressividade".
Na comparação com os outros países da União Europeia, disse Anabela Silva, Portugal é dos países europeus com mais carga fiscal sobre salário médio e com tendência de agravamento, em contra corrente com a Europa. Mesmo comparativamente com o pré-Troika. Recuemos a 2012, "nesse ano, a taxa máxima era de 46,5% e agora é 48%, mas aplicável sobre um rendimento tributável de pouco mais de 150 mil euros quando, agora, são, de acordo com o OE2024, 81 mil euros”, lembrou a fiscalista.
Contas feitas, resumiu: “Estamos, efetivamente, a aplicar a taxa máxima para níveis de rendimento tributável bastante mais baixos”.
IRS Jovem e Regime de ex-residentes
O IRS Jovem foi outra prioridade definida pelo Governo, que aposta na medida para promover a integração dos jovens no mercado de trabalho, proteger os rendimentos de forma a tornar Portugal mais atrativo para a juventude e estancar a fuga de jovens qualificados.
A medida isenta totalmente de IRS o primeiro ano de trabalho, 75% no segundo, 50% no terceiro e quarto anos e 25% no último, com limites à isenção, que também foram significativamente aumentados. “Vemos um reforço significativo do IRS Jovem, tanto é que a própria despesa fiscal aplicável a esse incentivo vão ser mais 200 milhões de euros do que no ano anterior em que estava previsto 15 milhões e terá ficado em cerca de 30 milhões”, adiantou Anabela Silva
Será eficaz por exemplo para reter o talento em Portugal, evitar que os jovens fujam do país? - questionou Filipe Alves, diretor do Jornal Económico, moderador do painel.
“Eu penso que os problemas com que os jovens se defrontam também são os problemas com que a generalidade da população se defronta”, salientou, alertando, no entanto, para a mobilidade do talento e as suas consequências. “Se não conseguimos tornar Portugal atrativo para esta camada mais jovem, estamos, de facto, a fazer com que o país vá perder competitividade", justificou, elogiando a medida, embora considerando que a fiscalidade nunca é a única solução, nem neste nem noutros assuntos.
A proposta do OE2024 contempla a devolução das propinas - um incentivo que devolve as propinas em função de cada ano de trabalho, bem como o apoio ao alojamento estudantil, assinalou.
No seu campo de especialidade, Anabela Silva apontou com medida mais penalizadora do OE2024 o fim do regime dos residentes não habituais, alertando para a importância de medir o impacto quando se tomam medidas a piori e a posteriori. Na sua perspetiva, o regime era bastante atrativo para Portugal e para o investimento direto estrangeiro. A forma como foi comunicado foi geradora de instabilidade e se há coisa que os investidores não gostam é de instabilidade, sublinhou Anabela Silva, revelando conhecer o caso de uma empresa luxemburguesa que decidiu ir para Espanha em virtude disso. “Era um dos regimes mais estáveis em termos de benefícios de IRS que tínhamos”.
O fim do regime foi anunciado pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, que salientou que este já cumprira os seus objetivos. Anabela Silva considera, no entanto, que não se pode falar de fim nesta campo. “Temos que continuamente tornar Portugal atrativo nos mercados internacionais”, salientou.
Disse, por outro lado, que "de acordo com a nova redação não se exige que a pessoa tenha estado anteriormente em Portugal”. Adiantou os critérios contemplados: Não ter sido residente nos últimos cinco anos; Tornar-se residente; Ter a situação tributária regularizada. "Apesar da epígrafe continuar a chamar-se ex-residentes, de acordo com a redação atual não há limitação”, salientou a partner da EY, reiterando, “neste momento, poderia ser aplicada a uma pessoa que nunca tivesse residido em Portugal".