As taxas de juro parecem ter deixado há muito, sobretudo as norte-americanas, de ditar a evolução dos mercados acionistas. Este afastamento é particularmente evidente desde o lançamento do ChatGPT em 30 de novembro de 2022. O confinamento provocado pela pandemia de covid-19 ditou um forte aumento da inflação, o que determinou uma subida acentuada das taxas de juro, que passaram de 0,25% para 5,50% (as da Reserva Federal dos Estados Unidos). Ao longo de 2022 as quedas das ações foram significativas, sobretudo após a invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro. O índice tecnológico Nasdaq foi o mais penalizado, perdendo cerca de um terço do seu valor nesse ano, um setor tradicionalmente muito sensível à evolução das taxas de juro. Ainda assim, após o lançamento do ChatGPT, este mesmo setor viria a desafiar o elevado preço do dinheiro.
As taxas de juro continuam altas, à volta dos 4%, muito acima dos 0,25% que vigoraram durante vários anos. Apesar disso, o Nasdaq valorizou quase 150% nos últimos três anos, contrariando a ideia de que taxas elevadas e receios de inflação persistente impediriam a valorização acionista. O entusiasmo em torno da inteligência artificial, os investimentos avultados nos hyperscalers e as perspetivas de retornos capazes de justificar esses investimentos têm alimentado o FOMO (Fear Of Missing Out) dos investidores. A evolução das taxas de juro ditou quase sempre a evolução dos mercados acionistas, no entanto, isso não tem acontecido nos últimos três anos. Assim, ou estamos prestes a entrar numa recessão, em 2026 ou 2027, e a escassez de liquidez no mercado monetário dos EUA nas últimas semanas pode ser um sério aviso, ou então a economia está a mudar de tal forma que muitos livros de economia precisarão de ser reescritos. Existe ainda a possibilidade de estarmos a assistir a um fenómeno verdadeiramente transformador, comparável à revolução agrícola de há oito mil anos, a primeira grande revolução, que fixou as populações, aumentou a produção de alimentos e permitiu o surgimento de novas atividades e da escrita. Cerca de 200 anos depois surgiu a segunda grande revolução, a revolução industrial, que trouxe avanços exponenciais para a humanidade. Poderá a inteligência artificial representar agora uma terceira grande revolução?
A economia dos EUA tem crescido acima dos 2% nos últimos três anos, apesar das taxas de juro elevadas, e o indicador do GDPNow da Fed de Atlanta prevê um crescimento próximo de 4% para o PIB norte-americano no terceiro trimestre. Ao mesmo tempo, a deterioração das contas públicas dos EUA aumenta o risco associado às obrigações do tesouro norte-americanas, e se o risco de taxa de juro tende a diminuir caso haja uma forte desaceleração económica ou recessão, mas o risco de crédito tem a aumentar à medida que os défices orçamentais se acumulam. Assim, mesmo que as taxas de juro de curto prazo venham a descer para contrariar uma eventual recessão em 2026 ou 2027, as taxas de longo prazo poderão não descer tanto como seria expectável devido ao agravamento do risco de crédito ditada pela deterioração das contas públicas. Isto poderá resultar num aumento acentuado do declive da curva de rendimentos dos EUA.
Também a evolução de outros ativos evidencia a gradual perda de importância das taxas de juro do dólar. A cotação do ouro, por exemplo, é hoje mais influenciada pelas compras dos bancos centrais do Sul Global, sobretudo do PBoC, após o congelamento dos ativos russos pelo Ocidente na sequência da invasão da Ucrânia, do que pelas taxas de juro reais dos EUA.
Juros dos Estados Unidos já não são o que eram?
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Os mercados estão em máximos, mas os juros ainda estão elevados e ditaram uma correção. Será apenas um movimento pontual?