O Governo quer limpar a “dívida histórica” da CP – Comboios de Portugal durante o ano de 2023, para que seja a própria empresa a comprar, “com fundos próprios” – mas na prática, nova dívida – 12 comboios de alta velocidade, por 336 milhões de euros.
O relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado para 2023 especifica que a CP vai lançar no próximo ano um concurso para a aquisição dos comboios.
No final do passado mês de julho, a CP tinha ainda uma dívida de 1.822 milhões de euros ao Estado, indica a proposta de OE. O último relatório e contas da CP disponível, relativo ao exercício de 2021, Indica que a dívida remunerada da CP, a 31 de dezembro de 2021, era de 2.132 milhões de euros, valor semelhante ao registado no final de 2020.
“Esta dívida encontra-se concentrada em empréstimos do Estado, concedidos através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (cerca de 84%), destacando-se que uma parte significativa tem maturidades de muito curto prazo”.
Nos últimos anos, a CP tem vindo a substituir dívida contraída junto da banca e de outras entidades por empréstimos da DGTF. No ano passado, por exemplo, a CP contraiu três novos empréstimos no valor conjunto de 156,3 milhões de euros “para amortizar dívida contraída junto do Banco Europeu de Investimento e EUROFIMA”. A empresa nota no seu relatório e contas que, uma vez que o saneamento financeiro da sua “dívida histórica” ainda está pendente de resolução, “o Estado tem vindo a prorrogar sucessivamente o pagamento do serviço da dívida dos empréstimos concedidos, nas respetivas datas de vencimento, sem custos adicionais, o que justifica a melhoria dos resultados financeiros alcançados pela CP nos últimos anos”. Ou seja, os resultados da CP – que teve prejuízos de 65 milhões de euros em 2021 – têm vindo a ser beneficiados por uma ausência de penalizações por parte do Estado devido ao não pagamento do serviço da dívida.
A primeira proposta do Orçamento de Estado deste ano – chumbada em outubro de 2021 – previa uma solução mais direta para o saneamento da dívida da CP: uma injeção de 1.815 milhões de euros, mas essa opção caiu, uma vez que esse tipo de operação teria de ser negociado com Bruxelas.
A intervenção da troika a partir de 2011 obrigou o Estado português a englobar a dívida das empresas públicas no perímetro orçamental (anteriormente fazia-se o contrário, passar para o sector empresarial do Estado, para, precisamente, disfarçar o volume total de dívida pública). Se antes da troika a CP acabou por englobar dívida que o Estado queria esconder, agora será o Estado a distribuir por outras parcelas a dívida da CP que ja está no perímetro orçamental.
Com a dívida limpa, a CP poderá apresentar-se perante a banca para contrair novos empréstimos com o objetivo de comprar – provavelmente em “leasing”, indica ao JE uma fonte do sector ferroviário – 12 novos comboios de alta velocidade. O fornecedor sairá de um conjunto de entidades que não deverá fugir muito ao que se apresentou no início do ano passado ao contrato de fornecimento de 117 automotoras. Na altura apresentaram-se – a título individual – os chineses da CRRC Tangshan, os japoneses da Hitachi Rail e os suíços da Stadler e, em consórcio, os franceses da Alstom (donos da Bombardier), os dois grupos espanhóis CAF e Talgo, esta última em parceria com os alemães da Siemens Mobility.
Noutras áreas de negócio sem ser a alta velocidade, em 2023, a CP vai prosseguir a aquisição de material circulante novo e recuperar e modernizar material circulante existente, avança o Governo.
“Em 2023, estará em execução o contrato estabelecido entre a CP e a Stadler Rail para o fornecimento de 22 automotoras para o serviço regional” (12 automotoras bimodo e dez elétricas), no valor global de 158 milhões de euros.
Acresce ainda a execução do contrato lançado em 2021 para a aquisição de 117 novas automotoras elétricas (62 para os serviços urbanos e 55 para os serviços regionais), no valor global de 819 milhões de euros, financiado pelo Fundo Ambiental e por fundos europeus”, lê-se no documento.
Por outro lado, “mantém-se a aposta” na capacidade instalada de manutenção de material circulante na CP nos seus diferentes parques oficinais. “Em 2022, entrou em funcionamento o Centro de Competências Ferroviário, promovendo o exercício de iniciativas e atividades deformação técnica, investigação, desenvolvimento e inovação (I&DI) em tecnologia, em particular na área da ferrovia e do material ferroviário, em estreita ligação com a atividade industrial existente”.
Uma última nota para o valor que a CP vai pagar em juros da dívida e encargos em 2023, numa altura em que os juros estão a subir: 51 milhões de euros, um aumento de 214% face aos 16 milhões estimados para este ano.