António Guterres declarou a sua paixão pela educação em 1995 durante plena campanha eleitoral em que foi eleito primeiro-ministro. António Costa seguiu-lhe o exemplo e voltou a declarar esta paixão em 2015, ainda era secretário-geral do PS.
Volvidos quase trinta anos do grito inicial de Guterres, a educação vai perdendo peso nas contas do Estado central. A descentralização na educação segue o seu rumo com a passagem de competências e de dinheiro para as autarquias. O ministério da Educação foi um dos grandes perdedores na proposta do Governo para o Orçamento do Estado para 2023 (OE23). A educação vai ter direito a menos 9,1% do dinheiro previsto face a 2022, num total de 7.458 milhões de euros, em termos de despesa total não consolidada.
As despesas com o pessoal pesam 75% estando previstos 5.222 milhões de euros, menos 11,6 milhões face a 2022, que “decorre, fundamentalmente, do processo de descentralização de competências na área da educação para as autarquias locais, no âmbito do qual os encargos com o pessoal não docente são assegurados através de transferências para o Fundo de Financiamento da Descentralização, ficando na esfera direta do Ministério da Educação apenas o pessoal docente e o pessoal não docente afeto às escolas profissionais e técnicos superiores”.
As despesas relativas ao ensino básico e secundário e administração escolar vão recuar mesmo 6%, para 841,8 milhões de euros. “O processo de descentralização fundamenta o decréscimo da despesa em 2023 face à despesa estimada até ao final do ano 2022”, justifica o Governo no relatório do OE.
Na administração central do Estado, a educação é precisamente a única rubrica em que se verifica uma redução nos gastos com o pessoal (-0,2%) para 5.222 milhões de euros. Já na saúde regista-se o maior aumento (2,9%), para 5.474 milhões de euros.
O Fundo de Financiamento da Descentralização vai crescer em 109% no OE, para um total de 1.204 milhões de euros.
Por sua vez, o ministério da Economia também perdeu folga neste OE, com menos 8,6% de despesa não consolidada prevista, para 4.219 milhões de euros. O ministério dos Negócios Estrangeiros vê a despesa recuar 3,9%, para 587 milhões.
Entre os principais ganhadores, destaca-se o ministério das Finanças (41%), com despesa não consolidada na casa dos 163 mil milhões de euros. Segue-se o ministério do Ambiente com 5.780 milhões de euros, mais 31% face a 2022. Já o ministério da Cultura vê a despesa subir quase 20%, para 1.100 milhões de euros.
O JE questionou o ministério das Finanças por este disparo na despesa não consolidada, mas não obteve resposta até ao fecho da edição. Olhando para a despesa total consolidada da tutela de Fernando Medina, regista-se uma subida de 78% para 10.045 milhões de euros com ativos financeiros nas despesas excecionais. “Relativamente aos encargos com ativos financeiros, destaca-se o financiamento a empresas do sector empresarial do estado, com particular relevância para a componente de empréstimos a médio e longo prazo”, segundo o relatório do OE23.
Destaque para outros três ministérios que continuam a contar com aumento da despesa a dois dígitos: Infraestruturas, mais 14% para 7.945 milhões; Saúde, mais 11% para 38.344 milhões; Administração Interna com mais 10% para 2.685 milhões.
No ministério da Defesa, a despesa sobe 5,4% para 2.643 milhões de euros. Entre os investimentos previstos no total de 506 milhões encontra-se a “despesa relativa ao programa de aquisição das aeronaves militares de transporte estratégico KC-390 e a construção de dois navios de patrulha oceânica”.
Na Administração Interna, 75% da despesa total consolidada, 1.849 milhões de euros, diz respeito à “estrutura da massa salarial das forças e serviços de segurança, distribuída entre a Guarda Nacional Republicana (GNR), com 869,6 milhões de euros, e a Polícia de Segurança Pública (PSP), com 855 milhões de euros”.
Na Saúde, o Governo destaca que as transferências do OE para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) vão aumentar mais de quatro mil milhões em 2023, para mais de 12 mil milhões, face a 2015.
No Ambiente, existem vários investimentos “estruturantes” em curso: o Metro do Porto recebe 292 milhões de euros em 2023 (de um total de 738 milhões) para a expansão da sua rede, enquanto o Metro de Lisboa vai receber 238 milhões no próximo ano (de um total de 818 milhões) para manter o seu alargamento. Em Coimbra, o metro do Mondego vai receber 33 milhões (de 94 milhões).
Em termos de aquisição de frota, o Metro de Lisboa vai gastar 44 milhões (de 156 milhões) e o Metro do Porto tem direito a 28 milhões (de 51 milhões). Na Transtejo, a compra de 10 novos navios elétricos (e o respetivo sistema de carregamento) vai ter direito a 40 milhões (de um total de 86 milhões). Em Lisboa, no Metro está prevista a abertura de duas novas estações (Estrela e Santos), o prolongamento da linha amarela do Rato até ao Cais do Sodré (linha verde), e o prolongamento da linha vermelha entre São Sebastião e Alcântara, com quatro novas estações: Amoreiras, Campo de Ourique, Infante Santo e Alcântara.
No Metro da Invicta está prevista a nova linha Casa da Música-São Bento (linha rosa) e a expansão até Vila d’Este (linha amarela). “No total, serão criadas sete estações ao longo dos novos seis quilómetros de linha. Está igualmente prevista a execução da linha Casa da Música-Santo Ovídio”.
O sistema de mobilidade do Mondego vai passar a contar com uma frota de 40 autocarros elétricos articulados, 17 milhões de um total de 61 milhões.
Nas Infraestruturas, também existem vários investimentos considerados “estruturantes” pelo executivo de António Costa. Para o plano Ferrovia 2020, existem 780 milhões de euros em 2023 (de um total plurianal de 1.756 milhões): o Corredor Internacional Sul (de 234 milhões) vai ter direito a 234 milhões de euros (inclui a nova linha entre Évora e a linha do Leste); o Corredor Internacional Norte (de 480 milhões) a 261 milhões, incluindo empreitadas de modernização na linha da Beira Alta, nomeadamente entre Santa Comba Dão e a Guarda,; o Corredor Norte-Sul a 133 milhões (de 391 milhões); os corredores complementares vão ter direito a 153 milhões de euros de 327 milhões. Na CP, destaque para os 99 milhões de euros previstos para a compra de comboios (de 977 milhões).
Na Saúde, vários projetos surgem em destaque: novo hospital de Lisboa Oriental PPP, com direito a 10 milhões; novo hospital central do Alentejo, com 53 milhões; novo hospital de proximidade de Sintra com 12 milhões. O IPO de Coimbra recebe oito milhões de um total de 29 milhões.
Na Educação e Ensino Superior, a universalização da escola digital recebe 120 milhões em 2023.
No Ambiente e Agricultura, o regadio vai receber 27 milhões de um plano de 440 milhões, enquanto que o plano de Ação Mondego Mais Seguro (para prevenir as cheias) recebe 25 milhões.
Em termos de projetos rodoviários, a despesa mais elevada destina-se à EN 14 Maia - segunda fase que vai ter direito a 21 milhões de um total de 41 milhões. Já o IC 17 Cril - Túnel do Grilo vai receber três milhões de 14 milhões.
A chamada mobilidade sustentável vai ganhar mais 833 milhões face a 2022 para um total de 1.572 milhões de euros.
Orçamentadas as despesas, é preciso que estas saiam do documento Word do Governo no próximo ano, sem encontrarem cativações pela frente.