A Unidade Local de Saúde de Barcelos (ULS Barcelos) decidiu, a 11 de setembro, anular inesperadamente o concurso público destinado à elaboração do projeto de execução para a empreitada do Novo Hospital de Barcelos, um procedimento lançado em junho de 2025 com preço-base superior a 4,8 milhões de euros e que já tinha motivado a candidatura de, pelo menos, três ateliês, incluindo a Saraiva+Associados e a Pinearq. Em vez deste concurso, a ULS Barcelos optou por recuperar um acordo com 15 anos que havia assinado com outra empresa, a ARIPA, e que fora extinto em 2015.
A decisão apanhou os concorrentes em pleno processo de finalização das propostas, após meses de trabalho e investimento desde o anúncio oficial feito em Diário da República, a 3 de junho.
A história começou logo mal. A plataforma eletrónica de contratação pública (vortalGOV), utilizada obrigatoriamente para submissão de documentos, sofreu diversas anomalias técnicas nos dias anteriores à apresentação das propostas, o que dificultou o carregamento definitivo das candidaturas e alimentou, imediatamente, a perceção de falta de transparência processual.
A Saraiva+Associados, uma das equipas concorrentes, relata que procedeu ao upload da totalidade dos elementos documentais da proposta a partir de 9 de setembro, validando e assinando o processo na plataforma a 18 de setembro, antes da data-limite para apresentação, isto é, dois dias mais tarde, a 20 de setembro.
Apesar de ter recebido a notificação “aprovado” na plataforma, recebeu erros sucessivos na sua conclusão, já que o concurso foi subitamente extinto pouco depois sem que os concorrentes tivessem acesso a todos os documentos que justificassem a decisão ou tivessem a oportunidade de exercer o direito de audiência prévia – legalmente previsto.
Oficialmente, o fundamento invocado pela ULS Barcelos para a extinção do procedimento centra-se num compromisso da ARIPA – empresa cocontratante num acordo assinado em 2010 com a Administração Regional de Saúde do Norte, então relativo ao mesmo hospital, mas suspenso desde junho de 2015.
Esse contrato, com preço inicial de 1,85 milhões de euros e objeto, “em termos latos”, coincidente com o concurso de 2025, terá levado a ARIPA a aceitar o ajustamento do programa ao novo perfil da obra e às novas normas legais, o que tornaria desnecessário a realização de um novo concurso — o que levou, então, à extinção súbita do mesmo, apesar da sua fase já adiantada.
Entre as justificações apresentadas para esta decisão, a ULS Barcelos sustenta que dar continuidade ao procedimento aberto em 2025 faria perder serviços já prestados no âmbito do contrato de 2010, agravando constrangimentos ao hospital e atrasando a execução do projeto.
Apesar deste argumento, as peças do concurso não previam qualquer condição futura quanto à existência de contratos suspensos ou potenciais litígios anteriores que pudessem afetar a tramitação regular do concurso. Não havia uma única referência a este possível constrangimento.
Fonte próxima dos ateliês concorrentes sublinha que as vicissitudes relativas ao contrato de 2010 eram do conhecimento da ULS Barcelos antes do lançamento do concurso público em 2025 e que os operadores económicos “são alheios às negociações ou eventuais litígios entre entidades terceiras”.
Acrescentam que, juridicamente, não se verificam “circunstâncias supervenientes” que justifiquem uma revogação da decisão de contratar nos termos do Código dos Contratos Públicos e que a anulação foi efetivada num momento em que as propostas já estavam fechadas e preparadas para submissão, privando os concorrentes do exercício pleno dos seus direitos.
A ausência da deliberação formal e despacho ministerial, pareceres jurídicos e outros documentos referenciados pela ULS Barcelos nas comunicações aos concorrentes impede, dizem os ateliês, a análise da fundamentação da decisão, o que se traduz no incumprimento do dever de fundamentação consagrado no Código do Procedimento Administrativo.
O escritório de advogados que representa a Saraiva+Associados já está a preparar uma ação administrativa de impugnação da deliberação de extinção junto dos tribunais – numa disputa que deverá prolongar-se nos próximos meses e, assim, condicionar ainda mais o arranque de um projeto hospitalar aguardado há anos na região.
No plano jurídico, os concorrentes sustentam que foram violados os princípios da concorrência, igualdade, transparência, boa-fé e tutela da confiança, previstos no Código dos Contratos Públicos e na Constituição da República, com prejuízos evidentes para o interesse público.
Para já, a única certeza é que o concurso para a conceção do Novo Hospital de Barcelos foi extinto unilateralmente, sem adjudicação, sem audição dos operadores económicos e, dizem os ateliês que ficaram pelo camimho, sem esclarecimentos documentais consideradosf undamentais, o que coloca de novo em crise o modelo de funcionamento da contratação pública no setor da saúde
Estado fecha concurso e põe em risco hospital de Barcelos
/
O Estado abriu um concurso público e fechou-o subitamente — já com as propostas entregues. Passou o negócio a um ateliê com quem havia negociado há 15 anos. Já está tudo em tribunal.