Houve um momento na terça-feira em que ficou claro que RuiRio estava a ser literal quando garantiu que não haveria “limpeza étnica” no processo de elaboração das listas de deputados do PSD. Afinal, ao contrário do que aconteceu no final do século passado na cidade bósnia de Srebrenica ou em Kigali e outras partes doRuanda, nenhum adversário perdeu a vida às mãos de turbas enfurecidas ou de paramilitares impiedosos.
Já em sentido figurado torna-se legítimo falar numa tal limpeza, visto que o processo de escolha do futuro grupo parlamentar social-democrata - mesmo que a vitória eleitoral encarada como possível por Rui Rio implique a substituição de futuros ministros e secretários de Estado - redundou na sistemática eliminação de praticamente todos os deputados que criticaram a liderança ao longo dos últimos anos, sem esquecer a exclusão daqueles que mais recentemente se afastaram do presidente reeleito, apoiando a candidatura de PauloRangel nas eleições diretas que Rio venceu com o voto de 52,43% dos militantes.
O primeiro sinal da razia dos críticos veio na véspera, quando o partido anunciou os cabeças de lista propostos pela direção nacional para os diversos círculos. Apoiantes de Rangel como Cristóvão Norte (Faro), PedroAlves (Viseu),Carlos Peixoto (Guarda) e Ana Miguel dos Santos (Aveiro) viram-se substituídos, respetivamente, pelo ex-presidente da Câmara de VilaReal de SantoAntónio, Luís Gomes, por Hugo Carvalho (que há dois anos fora o primeiro candidato pelo Porto, à frente do próprioRio), por GustavoDuarte e pelo professor universitário António Topa Gomes, sobrinho do recentemente falecido deputado AntónioTopa.
De modo próprio já se haviam excluído a ex-presidente da Juventude SocialDemocrata (JSD), Margarida Balseiro Lopes, substituída por Paulo Mota Pinto enquanto cabeça de lista pelo círculo de Leiria, e Luís Leite Ramos, que passou o testemunho do primeiro lugar por VilaReal ao já deputado Artur Soveral de Andrade. Outra ausência anunciada, nesse caso por ser claro que não seria aceite pela direção nacional, foi a de Duarte Marques, até agora deputado por Santarém - onde o líder distrital, João Moura, se conta entre os raríssimos rangelistas que continuarão no grupo parlamentar, enquanto ÁlvaroAlmeida, ex-candidato à Câmara do Porto e um dos críticos mais persistentes de Rio, deixou claro que se despedia da Assembleia da República.
Nos principais círculos eleitorais a limpeza étnica no sentido figurado foi particularmente intensa. Em Lisboa, com a lista agora encabeçada pelo deputado especializado em Saúde (e candidato à Câmara de Sintra) RicardoBaptista Leite, seguido pelo secretário-geral José Silvano e pela vice-presidente IsabelMeirelles, entre os rangelistas ‘sobreviveram’ Alexandre Poço, num 10.º lugar garantido com muito esforço da JSD, da distrital de Lisboa e da concelhia de Oeiras, ficando Ricardo Gonçalves num 16.º lugar mais dificilmente elegível. Mas Poço ainda viu Sofia Matos, que derrotou nas eleições da JSD, ser elevada a cabeça de lista pelo Porto. E nessa mesma lista ocorreu uma das ‘punições’ mais simbólica, com os atuais deputados Cancela Moura e Alberto Machado, líderes da concelhia de VIla Nova de Gaia e da distrital do Porto, a serem colocados no penúltimo e último lugares. Também excluído foi EduardoTeixeira, eleito por Viana doCastelo, que anunciou apoio ao eurodeputado na véspera da disputa interna.