Alguma vez ouviu falar na Casa dos Diamantes? Foi mandada erguer em 1523 por Brás de Albuquerque, perto da zona da Ribeira Velha e da Alfândega, em Lisboa, nuns terrenos e casebres que haviam pertencido ao Vice-rei da Índia, Afonso de Albuquerque, seu pai. Inspirada nos palácios “dei Diamanti” de Ferrara, “de los Picos” de Segóvia e Bevilacqua de Bolonha, mas sobretudo ao gosto Renascentista Italiano, acabou por sucumbir à designação popular, que ainda hoje perdura: Casa dos Bicos. E se os bicos remetem para as pontas de diamantes, imagem estilizada, vamos também usá-la como metáfora para a pessoa que nos espera no primeiro andar da atual Fundação José Saramago. Será um diamante ainda em bruto? Diamante literário, entenda-se.
Há quem se questione se assim é depois de, no curto-circuito que foi a pandemia, Irene Vallejo se ter tornado na grande sensação literária em Espanha, vendendo para cima de 100 mil exemplares em escassos meses, contagiando o mercado português com o seu “ensaio de aventura”, como alguém lhe chamou, e de, em menos de nada, ter galgado a Península Ibérica e estar a ser traduzida em 30 países.
E se é incontornável mencionar “O Infinito num Junco”, editado em Portugal pela Bertrand, não menos importante será sublinhar o inesperado – e improvável – fenómeno que é ver um ensaio arrebatar tantos leitores numa era de voragem. Talvez a observação de Irene Vallejo não seja descabida, quando diz que “o mais curioso é que ainda podemos ler um manuscrito pacientemente copiado há mais de dez séculos, mas já não podemos ver uma cassete, uma fita de vídeo ou uma disquete de há apenas alguns anos, a não ser que conservemos todos os nossos sucessivos computadores e aparelhos de reprodução, como um museu de caducidade, nas arrecadações das nossas casas”.
A filóloga nascida em Saragoça em 1979, que escreveu uma declaração de amor ao livro, a ferramenta que, em sua opinião, “melhor nos prepara para a complexidade”, admite que o êxito estrondoso e inesperado deste livro lhe virou a vida do avesso.