Alguns discos definem um percurso. Foi o que aconteceu quando Lindsey Jordan (ou Snail Mail) nos atirou à face um disco profundo e intrigante como era “Lush”. Estávamos em 2018 e Lindsey tinha apenas 18 anos. Escutava-se o primeiro capítulo de uma obra que se adivinhava que teria sequência. Os fãs do chamado “indie rock” encontravam ali uma lufada de ar fresco.
E esperaram. Agora surgiu “Valentine”, segundo degrau numa subida até ao cume. Cumpre as promessas que estavam evidentes no álbum de estreia. Não há aqui apenas juventude irreverente. Há criatividade profunda. E alguma dor, como se Lindsey tivesse sido ferida por uma flecha de amor envenenada. Durante este tempo, ela tentou recuperar das feridas psicológicas do choque com a realidade e o sucesso e acabou por ir construindo uma série de canções contundentes, que começaram a ser construídas com papel e caneta antes de passarem para os instrumentos musicais e, depois, para as mãos do produtor Brad Cook.
Há um claro aperfeiçoamento vocal entre o disco de estreia e este, como se a voz tivesse mais maturidade. Há duas canções fundamentais: “Ben Franklin” e “Valentine”, esta um tema poderosíssimo que nos fala da frustração da autora enquanto desespera por um ex-namorado que a deixou ou simplesmente espera por alguém que nunca conseguirá conquistar. Representa um desespero vocal e musical poderoso. “So why’d you wanna erase me?”, canta, perdida na correria do tempo e das emoções. Noutra boa canção, “Glory”, volta a esse tema obsessivo, ao atacar o egocentrismo do antigo namorado. No fundo, ela parece estar ciente de que todo o amor é um teatro de dramas. À memória ecoa o psicadelismo da guitarra em “Automate”, porque a sua música também se faz de memórias sonoras. Há também uma devoção à tradição folk em “Light Blue”.