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Crise na habitação motiva novos protestos: “Há mais razões para estarmos na rua"

Protestos regressam no sábado. “Com as três últimas manifestações, nós tínhamos conseguido impor uma pressão considerável ao Governo anterior e conseguido obter algumas conquistas, apesar de ainda estarmos longe da resolução do problema de habitação”, diz Rita Silva, da associação Vida Justa, ao Jornal Económico.

Em 2022, o antigo Hospital do Desterro foi vendido pela Estamo à Mainside Investments por 10,5 milhões de euros. Dentro de pouco tempo, o imóvel devoluto dará lugar a uma nova unidade hoteleira em Lisboa. Enquanto isso não acontece, o lugar serve de pano de fundo a ações de protesto como a que esta quarta-feira teve lugar, organizada pela plataforma Casa para Viver.

A mobilização antecede a quarta manifestação pelo direito à habitação, a acontecer no próximo sábado, dia 28 de setembro, numa ação concertada em 21 outras cidades portuguesas.

“Há mais razões para estarmos na rua. Com as três últimas manifestações, nós tínhamos conseguido impor uma pressão considerável ao Governo anterior e conseguido obter algumas conquistas, apesar de ainda estarmos longe da resolução do problema de habitação”, diz Rita Silva, da associação Vida Justa, ao Jornal Económico (JE). 

Defendendo uma maior regulação do mercado, a doutoranda em Economia Política na Universidade de Coimbra (UC) recorda a importância da mobilização social nos  últimos anos para que o Governo avançasse para políticas tendentes a minorar o problema, explica, recordando o fim dos vistos Gold, a “tímida” política regulação de rendas e as limitações ao Alojamento Local (AL). 

“Neste momento, com este Governo, o que nós tivemos, logo muito apressadamente foi a revogação da maior parte das conquistas que nós tínhamos obtido. Revogou o controlo de vendas, os limites ao AL...", enumerou.

Também Nuno Ramos Almeida, da plataforma Casa para Viver, sublinha a importância da mobilização social. “Esta necessidade de os governos anunciarem pacotes – seja o Governo do PS com as medidas de algum controlo das rendas, alguma limitação à turistificação das cidades e ao AL – foi fruto, por um lado, de um problema social, e por outro, da mobilização das pessoas”, afirma.

“Vamos confirmar a manifestar-nos e a trabalhar para conseguirmos convencer os Governos que este tipo de políticas não está a resultar””, afirmou o jornalista português, apontando para os “efeitos perversos” de algumas medidas apresentadas pelo Governo, como a do regime fiscal do IRS Jovem.

“Tem de haver regras que possam permitir que a construção seja para as pessoas que aqui vivem e trabalham. Como é que nós podemos garantir que o construtor vai construir casas para 250 mil euros, se pode construir para pessoas que vão comprar por três milhões? Tem de haver um conjunto de políticas estatais e públicas que consigam resolver este problema. Daí a necessidade de manter as manifestações e de continuar a reivindicar alterações políticas que tenham em conta essas novas realidades”, diz o jornalista português.

“Infelizmente, este Governo agudizou e reverteu algumas das poucas medidas do outro Governo. Considera que a única forma de resolver o problema é pondo o mercado a funcionar sem entraves, aumentando as parcerias públicas e privadas de construção. Ao não limitar o Alojamento local, como outras cidades estão a fazer – Barcelona e Amsterdão – torna mais difícil ainda habitar em cidade. Tem de haver um controlo sobre o AL. O número de casas é limitado e a função social da habitação tem de ser privilegiada”, explicou.

Rita Silva não descarta um pedido de reunião com os partidos e com o Governo, que poderá ser decidido na Assembleia da plataforma Casa Para Viver. “Se estiverem dispostos a ouvir-nos, estamos disponíveis para apresentar as nossas concretas para o OE, porque acreditamos estas medidas poderiam desde já começar a reverter crise de habitação”. 

“A Casa para Viver contesta as propostas deste novo Governo. Lamentamos os retrocessos que verificamos que já estão a ser feitos. E voltamos a apresentar as nossas propostas, porque as nossas propostas, muitas delas, são propostas que podem ser aprovadas no âmbito do orçamento de Estado. Queremos dar um contributo com maior profundidade do que aquilo que é atualmente a discussão que nós vemos nas televisões sobre o OE.  

“Temos dcontinuar a pressionar, apesar de termos um Governo que parece que está mais comprometido com o sector do imobiliáriodo negócioda especulação, nós não temos outra hipótese. Vamos continuar a pressionar porque achamos que este Governo também é pressionável. Achamos que ter milhares de pessoas na rua dará um sinal claro a este Governo de que não vemos melhorias”. 

As “medidas inflacionárias” apresentadas recentemente pelo Governo, como as garantias ao nível do crédito habitação e isenção do IMT, “apenas servem uma minoria de jovens e não a maioria da população”, diz Rita Silva, que investiga o papel do Estado na emergência de investidores institucionais na habitação. 

O que reivindica a plataforma Casa Para Viver para resolver a crise da habitação?

  • Baixar e regular as rendas para valores compatíveis com os rendimentos do trabalho em Portugal e dar estabilidade aos contratos de arrendamento;
  • Pôr fim aos despejos, desocupações e demolições que não tenham alternativa de habitação digna e, que não preservem a unidade da família na sua área de residência;
  • Baixar as prestações bancárias, pondo os lucros da banca a pagar;
  • Rever imediatamente todas as formas de licenças para a especulação turística;
  • Acabar de uma vez por todas com o Estatuto dos Residentes Não Habituais, os incentivos para nómadas digitais, das isenções fiscais para o imobiliário de luxo e fundos imobiliários, assim como não voltar a ter nenhum regime que se assemelhe aos Vistos Gold;
  • Colocar de imediato a uso, com preços sociais, os imóveis devolutos do Estado, dos grandes proprietários, dos fundos e empresas que só têm como fim a especulação;
  • Aumentar o parque de habitação pública com qualidade do Estado e promover com urgência a reabilitação dos bairros sociais;
  • Criar formas de habitação cooperativa e outras que não sejam entregues ao mercado.