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Frank Sinatra no país da monocultura

Sabe-se que a monocultura seca um país. O problema é que ela se transferiu para toda a sociedade, gerida como cultura intensiva pelos partidos políticos. Deixámos de respirar.

Na idade do Twitter, das Bimbys que fazem dirigentes como se fosse sopa e dos políticos deficitários de ideias, estes, muitas vezes, cometem um pequeno erro. Falam e, depois, acreditam no que disseram. Compreende-se a razão. No mundo da inteligência artificial tudo o que surge na televisão é “verdade”. Os próprios ministros acreditam nos “reality-shows” que mandaram realizar. O doutor Matos Fernandes, pelos vistos, julga que é Hércules e já cumpriu a sua missão histórica: ter derrotado a hidra do carvão. O problema, como se sabe, é que o carismático doutor Matos Fernandes vive no universo do Matrix. Acredita mesmo que, depois do Governo ter anunciado o fecho da central do Pego, Portugal passou a ser “verde”. Milton Nascimento cantava o “Milagre dos Peixes”. O doutor Matos Fernandes entoa o “Fungagá da Bicharada”.
O ministro do Ambiente foi ao COP 26 mostrar as suas capacidades vocais e disse: “Para não falhar, devemos ouvir as gerações mais novas e certificar-nos de que lhes deixamos um planeta saudável e um futuro com esperança”. Há um conselho gratuito que se pode fazer ao doutor Matos Fernandes: antes de ouvir os jovens faça uma excursão com eles pelo país. Nomeadamente pela zona onde não via inconveniente que fosse instalado o aeroporto do Montijo, pelo Alentejo onde a produção intensiva vai fazendo desaparecer toda a água, pelas áreas onde se estuda a possibilidade de instalar mais 36 mil hectares de eucalipto e pelas explorações de minas, decretadas à socapa, sem se explicar nada às populações, como seria sensato. Depois, de forma pedagógica, pode escutar os jovens. E brincar ao jogo do “blá, blá, blá!”
Com o tempo fomos sabendo que o doutor Matos Fernandes é ministro do Ambiente e não ministro dos Aeroportos, Minas e Armadilhas. Ficámos a saber que não é nenhum sonâmbulo político. Pode parecer, mas não é. Paira, eis tudo. Paira muito no alto, no cimo, no pico da montanha. O fim de uma central a carvão serve para justificar tudo o resto. O problema é que não se ouve, nem no seu partido, nem na leal oposição, alguém a dizer que o milagre dos peixes é, na verdade, um peixinho de ar condicionado. No fundo ele apenas representa a sociedade inanimada e vegetativa que foi semeada com pesticidas.

Não nos admiremos. Vivemos no país da monocultura. Caminhamos sossegadamente para o discurso único. Acontece na política ou na cultura: olhe-se para a OPA de Serralves sobre a programação do MAAT. Algo que já acontecera antes, ao CCB, por acção da Colecção Berardo e motivação governamental. O que convém, como sempre, é não mexer nos interesses instalados e fazer um botox para que tudo pareça ter mudado. Sabe-se que a monocultura seca um país. O problema é que ela se transferiu para toda a sociedade, gerida como cultura intensiva pelos partidos políticos. A sociedade portuguesa deixou de respirar. Usa máscaras. E não apenas por causa da pandemia. Nostradamus escusa de vir alertar-nos para o apocalipse. Quando os preços subirem até níveis insustentáveis e os portugueses viverem de salários mínimos porque deixou de haver classe média, os cérebros ambulantes dos grandes partidos podem depois reunir-se com algum “influencer” das redes sociais para perceber a percentagem de votos do Chega. É esta a nossa “Divina Comédia”, não escrita por Dante. Até porque no Purgatório deste os pecadores lutavam para resolver os seus conflitos internos. Mas na sua obra havia um sentimento de frescura e esperança, entre o purgatório e o inferno. O pensamento único segue dentro de momentos. E a sociedade civil segue o mesmo princípio. Porque o Estado é hoje o exemplo do “portuguese way of life”. Frank Sinatra cantava: “à minha maneira”. Este país de monocultura está cada vez mais a ser governado “à maneira” de alguns. Não é mais do que uma sociedade fechada, sem criatividade, sem risco. Pobre e de interesses localizados. Não se passa nada. E não podia ser de outra maneira.

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