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A viagem dos Abba

Em 1974 os Abba impuseram a sua versão pop de “Waterloo”, a derrota histórica de Napoleão frente aos britânicos, no Festival da Eurovisão. Nesse mesmo ano o regime do Estado Novo ruía em Portugal com estrondo.

Em 1974 os Abba impuseram a sua versão pop de “Waterloo”, a derrota histórica de Napoleão frente aos britânicos, no Festival da Eurovisão. Nesse mesmo ano o regime do Estado Novo ruía em Portugal com estrondo. Há algo de simbólico na nossa relação com a banda sueca, onde as melodiosas vozes femininas se cruzavam com orquestações que ecoavam o melhor da herança de Phil Spector. Depois de anos de sucesso, os Abba retiraram-se. Ressuscitaram agora. A nostalgia faz sempre bem, mas claro que não se pode esperar que neste “Voyage” (CD Polar 2021) se faça alguma alguma revolução sonora. Os Abba trazem sons para aqueles que gostaram de ser embalados por algumas das suas pérolas (e algumas canções eram verdadeiras maravilhas de criatividade no mundo doce da música pop).

Às costas carregam o seu legado: o grupo sabe como construir temas que ficam rapidamente nos ouvidos (“Don’t Shut Me Down” é um deles), qualidade muito digna nestes tempos sombrios. Há outro tema que também desencadeia alegria e optimismo (“I Still Have Faith in You”), onde as vozes, mais velhas mas sempre límpidas, de Anni-Frid e Agnetha, gerem os ritmos e as sensibilidades. Os detalhes que fizeram dos Abba um super-grupo pop estão todos lá: eles conhecem como misturar os pós para que a alquimia saia perfeita. O resto do álbum é, no entanto, previsível e, aqui e ali, os Abba incorporam influências musicais que sempre fizeram parte do seu segredo (tal como os sons mexicanos de “Fernando” ou peruanos de “Chiquitita”, aqui há vestígios celtas em “When You Danced With Me”). É isso que dá sempre um toque exótico às canções do grupo e encanta os fãs. Não é um álbum que desiluda, porque é exactamente aquilo que os seus seguidores escutavam há 40 anos e vão continuar a querer ouvir. Mas a canção de Natal “Little Things”, com um coro infantil a cantar sobre a sua avó, é um exercício de conformismo militante e não de alguma rebeldia, como se poderia esperar.

Os Abba foram geniais a manobrar o electro-pop, o glam, ou o disco-sound a seu favor, criando um som global, antes de se falar tanto da globalização do gosto. Tiveram o seu glorioso tempo. Agora soam apenas a memória. E isso já não chega, num tempo em que é preciso mais do que reciclagem. Porque os novos tempos precisam de algo que corte e questione. Como “Waterloo” fez em 1974.

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