Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. Enquanto os mercados, os investidores e a economia norte-americana não sentirem dor, Donald Trump vai talvez esticar a corda quanto ao shutdown, tentando impor a sua política. Há, porém, um limite invisível que o mercado impõe sempre que o presidente fala demais — e esse limite chama-se TACO, o “Trump Always Chickens Out”, ou seja, Trump acaba sempre por recuar quando as bolsas caem demasiado. Mas o acrónimo também pode ser reinterpretado como “Trump Asset Correction Oscillation”, descrevendo a oscilação automática dos ativos cada vez que o presidente ameaça a globalização. Quando Trump fala em tarifas de 100% sobre a China, o mercado entra em correção imediata, mas quando dá o dito por não dito, as bolsas respiram de alívio. Foi exatamente isso que aconteceu a 10 de outubro, quando o S&P 500 e o Nasdaq recuaram quase 3% e 4%, respetivamente, após Trump prometer agravar as tarifas sobre a China. No fim de semana, o presidente recuou nas declarações e, logo na segunda-feira, as ações recuperaram terreno, impulsionadas pelo entusiasmo em torno da inteligência artificial.
Atualmente, nada parece afetar seriamente os mercados — nem a paralisação do governo federal dos Estados Unidos, nem as valorizações relativamente elevadas das grandes tecnológicas, nem as tensões políticas e orçamentais em França, nem mesmo a escalada do ouro, que acumula ganhos de 65% desde o início do ano. A única coisa que parece fazer tremer Wall Street são as palavras de Trump quando promete tarifas mais duras.
Maior protecionismo é sinónimo de travão à globalização e, consequentemente, de más notícias para as multinacionais norte-americanas que dominam o S&P 500, sobretudo as grandes tecnológicas. Qualquer recuo ou desaceleração da globalização traduz-se em menor acesso a mercados, cadeias de produção mais caras e, inevitavelmente, lucros mais baixos.
Desde o final de 2022, com o surgimento do ChatGPT e o avanço da inteligência artificial generativa, as tecnológicas voltaram a liderar os ganhos em bolsa. Mas há um risco crescente de bolha. Ainda assim, se essa bolha existe, é uma bolha produtiva: mesmo que imploda, deixa infraestruturas, inovação e investimento, à semelhança do que aconteceu com as dotcom na década de 1990.
Assim, nos últimos tempos, os mercados têm sido influenciados sobretudo por dois fatores: o entusiasmo em torno da inteligência artificial, que impulsiona as bolsas, e o receio das tarifas, que as penaliza. Uma eventual bolha pode, de facto, estar a formar-se porque a tecnologia é deflacionista e, no futuro, os preços tenderão a cair, afetando eventualmente os elevados lucros previstos. Quanto maior é a árvore, maior é a queda, embora ninguém saiba se a eventual bolha da IA tem o tamanho de um carvalho ou se crescerá até se tornar uma sequoia.
Já uma eventual implosão das criptomoedas, com um historial de apenas quinze anos, pode deixar apenas “zeros e uns” nos computadores. É certo que a Bitcoin — e o ouro também, quando visto apenas como metal precioso e não como industrial — são ativos especulativos: não geram rendimento, apenas ganhos de capital. As pessoas compram à espera que venha alguém disposto a pagar mais caro, à semelhança da teoria do tolo dos mercados financeiros. No entanto, a negociação do ouro, à espera de um tolo que compre mais caro, dura há seis mil anos, desde o início da civilização. A BTC, por seu lado, tem apenas quinze anos de história e é uma tecnologia, logo sujeita a concorrência, mas já tem utilidade. Em países de África e da América Latina, onde as moedas locais desvalorizam acentuadamente e muitos não têm acesso a uma conta bancária, mas dispõem de um telemóvel e de acesso à internet, tornou-se a ‘moeda dos que não têm moeda’. Nas economias avançadas, é mais do que moda ou especulação, é também uma forma de preservar privacidade à medida que o dinheiro físico desaparece.
Trump entre tarifas e TACO
O que diz o presidente norte-americano continua a impactar os mercados, mais do que a paragem do governo ou a sobrevalorização de ativos.
