Portugal nem será dos países mais afetados diretamente na UE pela política comercial de Trump, que arrisca atirar a zona euro para a recessão, segundo as previsões mais pessimistas, mas alguns sectores como o farmacêutico ou a maquinaria enfrentam perspetivas mais fracas caso se confirmem as tarifas de 30% por Washington. A aprovação da ‘Grande e Bela’ lei orçamental deixa um buraco nas contas públicas que torna ainda mais provável a imposição de barreiras alfandegárias, mas Portugal vê 45% dos bens isentos de taxa, bem acima dos 30% de média europeia.
Em mais um capítulo da errática política comercial norte-americana este ano, Trump ameaçou a UE com tarifas de 30% a partir de dia 1 de agosto caso não haja um princípio de acordo entre os dois blocos, um nível acima dos 20% anunciados a 2 de abril, mas menos do que os 50% com que o presidente chegou a ameaçar os parceiros transatlânticos. Os mercados não reagiram com grande ímpeto às notícias, apostando cada vez mais na teoria T.A.C.O. (‘Trump Always Chickens Out’, ou ‘Trump Acobarda-se Sempre’), mas os analistas acreditam que o protecionismo não é só uma ameaça dos EUA, mas sim uma opção política.
Com a aprovação da lei orçamental, o buraco nas contas públicas norte-americanas aprofundou-se, aumentando a necessidade de o Tesouro encontrar fontes alternativas de receita. Tal torna a imposição de tarifas uma quase inevitabilidade para Washington, escrevem os analistas do ING, e a margem para concessões será menor do que chegou a parecer.
Reconhecendo a “surpresa” com o anúncio de Trump no fim de semana, os analistas da Goldman Sachs admitem que desta vez Trump talvez não esteja só a fazer bluff. Nesse caso, e na ausência de um acordo até 1 de agosto, a zona euro arrisca perder 1,2 pontos percentuais (p.p.) de crescimento até 2026, com um impacto mais visível nos próximos trimestres, considera o banco de investimento.
Mesmo com um acordo comercial, a taxa efetiva nas exportações europeias para os EUA não ficará abaixo de 26%, dadas as tarifas sobre bens críticos, incluindo farmacêuticos.
Neste cenário, a retaliação europeia seria inevitável, convergem os analistas. Apesar de garantirem que continuarão a negociar até ao prazo estipulado, os representantes europeus já avisaram que barreiras de 30% arriscam matar o comércio transatlântico, embora guardando, por enquanto, medidas retaliatórias na gaveta. A relação entre os dois blocos é a mais relevante do mundo, com 1,6 biliões de euros em bens e serviços transacionados em 2023.
Segundo informação consultada pela Bloomberg e pelo Politico, Bruxelas tem 72 mil milhões de euros de importações vindas dos EUA na mira, incluindo 11 mil milhões em aeronaves e componentes, a que se juntam produtos alimentares, como a carne e o bourbon, máquinas, veículos e produtos químicos.
Na eventualidade desta retaliação europeia, a Barclay’s teme mesmo uma recessão no horizonte. O BCE ver-se-ia obrigado a cortar taxas, com os juros de referência a arriscarem ficar abaixo de 1% caso a inflação também falhe o objetivo de médio prazo de forma consistente. Tal enfraqueceria a moeda única contra o dólar, desfazendo uma das proteções da zona euro contra efeitos mais exacerbados das tarifas.
Em sentido inverso, a Capital Economics destaca que a antecipação de encomendas de importadores dos EUA, conhecido como frontloading, suportou o crescimento acima do esperado na zona euro no primeiro trimestre e deve contribuir para um segundo mais forte do que o previsto.
Um exemplo disso é o disparo nas encomendas farmacêuticas: a produção industrial do sector subiu 27,2% em maio numa análise homóloga e o excedente comercial nos produtos químicos, onde se inserem os farmacêuticos, cresceu de 18 mil milhões para 23,2 mil milhões no mesmo período.
“Para lá de todas as manchetes sobre tarifas, há alguns sinais positivos de que a indústria europeia está a inverter o ciclo, mas este processo parece lento e pode facilmente descarrilar com tarifas elevadas”, escrevem os analistas do ING. “Em todo o caso, os dados fortes de maio sugerem que o PIB no segundo trimestre não sofrerá tanto quanto se temia com o fim do frontloading americano”.
Europa resiste no primeiro semestre, mas tarifas arriscam recessão
Trump ameaça agora com 30% de taxa e, desta feita, os analistas acreditam que poderá não ser bluff. Portugal está menos exposto do que a média europeia, apesar de a economia dos 27 ter aguentado a primeira metade do ano melhor do que se esperava.
