Os ataques russos a norte e a nordeste de Kharkiv, a segunda cidade da Ucrânia, foram antecipados pela estrutura militar das forças de Kiev, sinalizados pela inteligência ocidental e eram evidentes para todos os analistas militares. Serviriam para estancar as investidas ucranianas à região russa de Belgorod e permitiriam constituir uma espécie de zona-tampão entre a Ucrânia e os oblasts tomados por Moscovo a leste. Apesar disso, nos últimos oito dias, as tropas russas conseguiram caminhar cerca de seis quilómetros em território ucraniano sem que as forças de Kiev tivessem conseguido pará-las. Para os analistas, importa perceber-se a razão do sucedido e daí tomar as devidas ilações. Antes disso, e segundo o embaixador Francisco Seixas da Costa, vale a pena adiantar que a tomada de território por parte dos russos não é (em termos geográficos) “muito significativa”, que quer dizer que a capacidade do exército de Moscovo ”é muito limitada”.
Kharkiv à vista
De qualquer modo, e a acreditar nos próprios ucranianos, as defesas na região pura e simplesmente não existiam: “a primeira linha de fortificações e de minas simplesmente não existia”, escreveu o comandante ucraniano Denys Yaroslavsky já depois do ataque. Para Dan Sabbagh, especialista em defesa e segurança do jornal britânico “The Guardian”, as razões para a ‘desguarnição’ são evidentes: “as dificuldades militares da Ucrânia foram causadas em parte pela pausa de quatro meses no fornecimento de armas dos Estados Unidos – finalmente resolvida no mês passado, quando um pacote de ajuda de 61 mil milhões de dólares foi aprovado no Congresso. Ao mesmo tempo, a Ucrânia, em menor número nos campos de batalha, está a lutar para recrutar homens, tendo reduzido a idade mínima de alistamento obrigatórios de 27 para 25 anos”.
Jack Watling, especialista em guerra terrestre do ‘think tank’ Royal United Services Institute disse, citado pelo mesmo jornal, as deficiências na artilharia ucraniana e a ausência de defesas contra mísseis balísticos e bombas planadoras de longo alcance foram observadas nas últimas semanas. É tal a diminuição das defesas antimísseis terra-ar da linha de frente da Ucrânia, que estão apenas focadas em dissuadir os caças russos de cruzarem as linhas da frente – isto é, já não há material capaz de derrubar os drones de reconhecimento Orlan-10, que agora “voam rotineiramente sobre Kharkiv e Zaporizhzhia” para detetar e destruir alvos com mais precisão atrás das linhas de frente”.
A esperança está agora na segunda linha de defesa de Kharkiv – que na prática é a primeira, dado que a que devia haver à sua frente pura e simplesmente não existia. O Ministério da Defesa da Ucrânia respondeu às acusações de falta de fortificações na região de Kharkiv, tendo dito que as fortificações mais preparadas na região foram construídas “a uma certa distância” da linha da frente devido aos bombardeamentos constantes. A resposta é do chefe da administração do Serviço Especial de Transporte do Ministério da Defesa, o brigadeiro-general Oleksandr Yakovets. Segundo aquele militar, a primeira linha, meros abrigos equipados pelos próprios militares, estava localizada a entre cinco a seis quilómetros da fronteira com a Rússia; a segunda linha está construída a uma distância de 15-17 quilómetros. Yakovets classificou a terceira linha defensiva como a mais preparada, estando situada a 17-35 quilómetros da fronteira.
Por seu turno, o militar ucraniano Denys Yaroslavsky, citado pela BBC, disse que a principal razão para o sucesso da ofensiva russa em Kharkiv foi a falta de um sistema de fortificação – que só existe na referida terceira linha.