O Estado deverá receber mais 500 milhões de euros da ANA, até 2062, com o aumento da capacidade do Aeroporto Humberto Delgado, que foi anunciado na terça-feira. As contas foram feitas pelo Jornal Económico com base no esperado aumento de 30% no número de passageiros que passarão pela Portela, na sequência das obras de alargamento que deverão estar concluídas durante os próximos anos. Com o aumento do tráfego, crescerão também as receitas provenientes das taxas aeroportuárias cobradas pela ANA, incluindo da parte que cabe ao Estado.
Nos últimos dias, vários analistas têm referido que o Estado poderá abdicar de parte deste “bolo” para ajudar a financiar a construção do novo aeroporto de Alcochete, que deverá substituir o da Portela algures na próxima década. Mas até ao fecho da edição não foi possível confirmar se este cenário está em cima da mesa nas negociações que o Governo vai realizar com a ANA, detida pelo gigante francês Vinci. Oministro da tutela, Miguel Pinto Luz, acredita que a construção do novo aeroporto pode ser feita pela ANA“sem aporte do OE” e sem renegociar o contrato de concessão.
Oreforço da Portela, que visa aumentar a capacidade do aeroporto para um máximo de 45 milhões de passageiros/ano, não será fácil, uma vez que a ANA está desde já a sentir dificuldades para executar o primeiro conjunto de obras de ampliação decidido pelo anterior executivo em dezembro.
Mas vamos por partes. Os cálculos feitos pelo Jornal Económico levam em conta que, ao dia de hoje, até 2062 a concessão da ANA (que implica a gestão de dez aeroportos nacionais) vai gerar ao Estado um valor estimado de 2.948 milhões de euros. Esse valor resulta do quadro de encargos plurianual das PPP (na prática, é isso que a concessão da ANA é, uma vez que é uma entidade privada a gerir um bem do Estado), que consta no Orçamento do Estado para 2024, elaborado ainda pelo governo socialista de António Costa.
Esse valor é calculado para todos os anos da concessão até 2062, usando uma percentagem (que vai subindo à medida que a concessão evolui) das receitas brutas da ANA, que resultam sobretudo das taxas aeroportuárias que cobra às companhias, tendo em conta o número de passageiros, mas também das vendas nos duty-free e outros serviços. No caso da PPP aeroportuária, em vez de vir inscrito um encargo no OE, vem inscrito um benefício, um valor que o Estado recebe da ANA todos os anos.
OAeroporto de Lisboa representa 51% de todos os passageiros que chegam aos aeroportos da ANA e mais de metade da receita bruta da ANAem Portugal. Mas a chegada de passageiros ao Aeroporto da Portela já atingiu um limite: 34 milhões. Os valores anuais estão condicionados por este cap.
As obras decididas e, parcialmente, anunciadas na terça-feira vão fazer com que, nas palavras do Governo, a capacidade do Aeroporto Humberto Delgado passe para um máximo de 45 milhões de passageiros. Esse novo “cap” fará com que as verbas transferidas pela ANA ao Estado até 2062 passem para, pelo menos, 3.425 milhões de euros, numa estimativa conservadora, uma vez que não inclui o peso das vendas e de outros proveitos da Portela (como a gestão do hotel Meliá que opera dentro da concessão). A concretizar-se a construção do Aeroporto Luís de Camões (Alcochete) em 2034, este valor ainda poderá subir, dependendo da performance da nova estrutura.
Obras problemáticas
Na prática, o Governo quer que a ANA realize mais obras no Humberto Delgado para aumentar a capacidade até um máximo de 45 movimentos (aterragens ou descolagens) por hora, das atuais 38. E isto é mais fácil dizer do que fazer.
O Aeroporto da Portela é uma estrutura com uma pista única pelo que, quer num sentido, quer noutro, apenas pode aterrar em segurança um avião de cada vez. Mas há coisas que se podem fazer e já estão em curso, por exemplo entradas e saídas múltiplas para a pista (que permite encurtar o tempo de taxiway). Em teoria, permite uma gestão mais eficiente da movimentação dos aviões no acesso à pista, permitindo descolagens ou aterragens mais rápidas (logo, mais por hora).
Também estão a ser construídas mangas novas (potencialmente diminuindo os tempos de embarque), evitando o transporte de passageiros em terra através de autocarros. E estão a ser feitas intervenções nos terminais, com um prolongamento da aerogare a sul e uma renovação do Pier Central.
Problema: parte da renovação dos acessos à pista implica expropriações de terrenos em Camarate, um processo moroso e complicado que poderá custar uma quantia considerável de milhões à ANA, mas que o JE não conseguiu apurar.
Estas são as obras ao abrigo da resolução do Conselho de Ministros de dezembro de 2023 e apenas foram autorizadas (sem declaração de Impacte Ambientel) pela Agência Portuguesa do Ambiente sob a condição de que não haveria aumento de capacidade (mais voos a partir e a chegar) no Humberto Delgado. O novo ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, quer mesmo ampliar a capacidade (mais voos) do atual aeroporto até à entrada em funcionamento de Alcochete, nunca antes de 2034. Mas considera que não será precisa uma DIA para a ampliação de movimentos prevista agora na Portela, uma vez que o aumento projetado não é superior em 20% ao que foi decidido em dezembro. A contestação dos ambientalistas parece iminente, tanto mais que a APA está atualmente sem presidente, desde que Nuno Lacasta saiu devido à Operação Influencer. Cabe ao novo Governo nomear o seu substituto.
Em última análise, o Governo pode, dada a natureza urgente e temporária (ainda que por vários anos)do aumento de capacidade do Aeroporto Humberto Delgado, dispensar o projeto de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) e, consequemente, da Declaração de Impacte Ambiental.
Por exemplo, em agosto de 2020 o número de movimentos no aeroporto de Lisboa recebeu autorização, por despacho, para chegar aos 42 por hora (incluindo de noite), devido à realização da final da Liga dos Campeões no Estádio da Luz. O interesse económico (turístico)do evento justificou, no entender do executivo da altura, o ruído extra devido aos voos. Um despacho do mesmo tipo para aumentar os movimento no Humberto Delgado para até 45 precisaria sempre da assinatura de dois ministros, um deles forçosamente o do Ambiente.
O ministro Pinto Luz garantiu ainda que não prevê que a construção do novo aeroporto em Alcochete venha a implicar “um aporte do Orçamento do Estado”. Mas ainda não é claro se pode implicar menos receita a entrar. Pinto Luz foi específico sobre a duração da concessão, afirmando que espera que toda a negociação seja enquadrada no atual contrato. Ou seja, o ministro não contempla nem prevê uma renegociação. A concessão da ANAjá tem a duração de 50 anos, pelo que qualquer tentativa de a prolongar esbarraria, na Direção Geral de Concorrência da Comissão Europeia.
O novo aeroporto deverá custar mais do que os cerca de 6 mil milhões de euros previstos pela Comissão Técnica Independente que analisou as opções. Os cálculos podem apontar mais para valores de 7.400 milhões de euros para duas pistas (com possível extensão de outras duas). Paralelamente ao novo aeroporto, o Governo também inclui no pacote acelerar os trabalhos para uma ligação em Alta Velocidade entre Lisboa e Madrid, incluindo uma Terceira Travessia do Tejo, uma ponte ferroviária (e, quase com toda a certeza, rodoviária)entre Chelas e o Barreiro. A construção e concessão dessa nova ponte será uma matéria à parte, sendo que a atual concessionárias das duas pontes sobre o Tejo é a Lusoponte (detida pela Mota-Engil e pela Vinci, a dona da ANA).