Os agentes do sector da energia estão à espera que a ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho, decida sobre alguns dos processos que tem em mãos e que são considerados fundamentais para o desenvolvimento do sector e, também, para o cumprimento de metas do Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), que estabelece as linhas estratégicas para alcançar a neutralidade carbónica.
À cabeça, são referidos os investimentos necessários no reforço do acesso à rede de distribuição e transporte, para acomodar nova produção de energias renováveis, assim como o armazenamento. Depois, como será feito o leilão para produção de energia eólica offshore, de que já se conhece a intenção de revisão em baixa da potência a atribuir relativamente aos dois megawatts previstos pelo anterior governo.
Ao Jornal Económico (JE), Manuel Cassiano Neves, sócio de Energia & Alterações Climáticas da sociedade de advogados CMS Portugal, aponta estes dois dossiers e também as alterações ao regime jurídico que estabelece a organização e funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, “a concretização do, há muito anunciado e nunca concretizado, procedimento concorrencial de atribuição de capacidade de injeção de potência na rede a centrais de biomassa”, assim como as alterações ao regime jurídico da mobilidade elétrica.
Acresce a estes, e entre outros aspetos, a questão da desburocratização e a necessidade de maior agilidade das entidades competentes pelo licenciamento dos investimentos. “Esta circunstância é uma barreira adicional ao investimento em Portugal, e que faz com que os investidores tenham ressalvas quanto à viabilidade do retorno obtido nos seus investimentos”, diz ao JE Luís Ribeiro, diretor de Auditoria da consultora KPMG Portugal. “O tempo que o licenciamento dos projetos demora e a dispersão das inúmeras entidades administrativas envolvidas nos procedimentos constituem um evidente bottleneck ao desenvolvimento do sector das renováveis”, reforça Manuel Cassiano Neves.
Por isso, Luís Ribeiro espera que o Governo crie um “simplex” dos processos de licenciamento, “para aumentar a atratividade e velocidade de realização da transição energética”, bem como, potencie os investimentos em capacidade de armazenamento e na ligação das redes da Península Ibérica e de França, “de forma a criar uma estabilidade nos preços de mercado”.
Ribeiro insiste na questão da estabilidade dos preços, quando assistimos a cotações negativas no mercado de spot, o que “impacta a atratividade do investimento”. Isto, diz, pode ser gerido através do “aumento da capacidade de armazenamento de energia”, do “reforço da interligação da rede elétrica da Península Ibérica a e de França, que criará capacidade de escoar a energia produzida nos parques solares e eólicos”, e pela “criação de modelos mais simples nos contratos de longo prazo para fornecimento da energia produzida, que gera estabilidade nos preços de produção e naturalmente nos consumidores finais”.
Acrescenta a necessidade de se investir no armazenamento, tendo Graça Carvalho anunciado, esta semana, que vai lançar um concurso para a Flexibilidade de Rede e Armazenamento no valor de 99,75 milhões de euros, já em setembro.
“Atualmente, com a energia produzida através de fontes renováveis – em muitos meses acima dos 80% –, é crucial existir legislação e mecanismos que regulem e potenciem os investimentos no armazenamento de energia elétrica em Portugal, uma vez que atualmente essa função é efetuada através dos sistemas de bombagem dos centros produtores hidroelétricos”, sublinha Luís Ribeiro.
No sector do gás também se aguardam alterações legislativas relevantes, no seguimento da esperada entrada em vigor do pacote de legislação comunitária sobre o mercado interno do gás, de forma a alinhar as condições necessárias ao aumento da penetração de gases de origem renovável nas redes de gás com as diretrizes europeias, acrescenta o sócio da CMS Portugal.
Também a fiscalidade
O que o mercado espera ver decidido não se limita ao Ministério do Ambiente e Energia, mas alcança, também, o Ministério das Finanças.
“O sector energético há muito que reclama uma efetiva reforma do quadro fiscal aplicável, sendo esta uma indiscutível prioridade no contexto de definição de políticas públicas ambientais eficazes, que assegurarem a necessária estabilidade fiscal”, diz ao JE Ana Rita Chacim, partner da AC Consultoria. “Importa atuar na racionalização e simplificação dos diferentes tributos – impostos, contribuições, taxas – e figuras análogas aplicáveis, no geral, ao sector, garantindo o controlo constitucional e legal, considerando ainda a sua coexistência com os impostos ditos tradicionais incidentes sobre o rendimento, consumo e património”, acrescenta.
As empresas de energia são impactadas pela contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE), cuja aplicação disputam em tribunal. Este tributo foi criado em 2014, com um caráter temporário, mas mantém-se até agora.
A EDP – Energias de Portugal, a maior empresa do sector energético em Portugal, insiste em contestar a constitucionalidade desta contribuição que o seu presidente-executivo considera ser “um imposto que não faz sentido nenhum”.
Ana Rita Chacim assinala “o contencioso gerado em torno da aplicação da CESE ao longo dos seus já 10 anos de vigência, sem que um regime jurídico autónomo tenha sido aprovado e consolidado devidamente, andando a reboque de alterações e prorrogações promovidas pelas diferentes Leis do Orçamento do Estado”.
“As dúvidas jurídicas suscitadas, ainda que bastante válidas, e os entendimentos que têm vindo a ser feitos, não deixam de representar falta de segurança e certeza jurídica na apresentação ao mercado do quadro fiscal nacional”, afirma.
Todos estes temas “são de extrema relevância e assumem caráter urgente e prioritário, não só por serem há muito aguardados pelo sector, mas pelo facto de a sua concretização permitir passar uma mensagem quanto ao compromisso do Governo português com as metas de descarbonização da economia e de transição energética”, aponta Cassiano Neves, mas assinala que, antes de tudo, é necessário verificar se plano para a neutralidade carbónica é o atual ou carece de revisão. “Numa visão macro, seria importante perceber o entendimento que [o Governo] tem relativamente ao PNEC 2030 em vigor, assim como a calendarização e os meios a utilizar para atingir as metas ali previstas, designadamente no que diz respeito ao acesso à rede”, diz.
A ministra do Ambiente e Energia anunciou, esta semana, que está em fase de conclusão a revisão do PNEC)2030 e que foi reforçada a ambição dos objetivos, pretendendo-se que o cpeso das energias renováveis no consumo final bruto de energia em Portugal ascenda a 51% no finald o período, tal como a Comissão Europeia, que agora cessa funções, tinha pedido, um valor dois pontos acima do previsto pelo anterior executivo português.
“Julgo que o que fez falta ao longo dos sucessivos Governos foi garantir o comprometimento de todos os agentes na concretização destes objetivos como um desígnio nacional, desde as entidades licenciadoras, municípios, investidores, à opinião pública em geral. Aguardemos”, conclui.