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‘Green Deal’ está a ser desafiado por novo quadro parlamentar

Política europeia : As alterações provocadas pelas últimas eleições ameaçam condicionar o avanço da agenda ambiental europeia. PPE e ECR preparam-se para alterar prioridades.

O Partido Popular Europeu (PPE) continua a ser a maior força política do Parlamento Europeu e até reforçou a posição, ganhando 6,1 pontos percentuais, para 26,11%, e seis deputados, para 188. Com os Socialistas e Democratas e os liberais do Renovar a Europa, os grupos tradicionais continuam a ser largamente maioritários, com 401 mandatos em 720, mas a ascensão da extrema-direita e da direita radical fez balançar o quadro político; em conjunto, os três grupos que representam estas áreas políticas valem 25,97% e seriam a segunda maior força.


Mesmo não influenciando decisões diretamente, o peso ganho pelos partidos à direita do PPE constitui um sinal passível de alterar políticas. Uma das agendas que pode estar em causa é a do Green Deal, a política ambiental europeia, que poderá ver atenuada a ambição; ainda mais quando o grupo dos Verdes, que contribuiu para o processo, perdeu 14 deputados, ficando reduzido a 53.


“A mesma questão colocou-se há mais de uma década a propósito da crise financeira e, em especial, da crise das dívidas soberanas. Assistiu-se num primeiro momento a um esmorecer da ambição quanto a novas metas, mas não houve retrocesso quanto a objetivos estabelecidos, nem abrandamento da velocidade”, diz Carlos Costa Pina, sócio da sociedade de advogados SRS Legal, em declarações ao Jornal Económico. “Passada a crise, a ambição reafirmou-se com um ímpeto ainda maior. Acredito que o mesmo sucederá no atual contexto, até por serem áreas – talvez únicas – de afirmação da liderança da Europa no mundo”, acrescenta.


Luís Amado, Head of Sustainability da consultora Capgemini Portugal, lembra que, recentemente, os embaixadores dos Estados-membros da União Europeia (UE) aprovaram um mandato para negociar o oitavo Programa de Ação em matéria de Ambiente (PAA) com o Parlamento Europeu, que “orientará as políticas ambientais e climáticas até 2030”. Além disso, solicitaram à Comissão que, até 2024, defina melhor as medidas a serem adotadas para implementar as principais ações descritas no Pacto Ecológico Europeu. Essa revisão intercalar permitirá ajustes entre 2025 e 2030. “Portanto, o novo quadro político está alinhado com a busca por uma Europa verde, justa e social, com impacto neutro no clima”, considera.


No entanto, tanto o PPE como o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR, na sigla inglesa) estão a estabelecer prioridades para a legislatura que passam por alterações à legislação ambiental.


O ECR, da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, a quarta força política no Parlamento Europeu, com 78 deputados, promete pressionar, por exemplo, para que seja revista a proibição de venda de automóveis com motores de combustão na UE a partir de 2035. O PPE também pretende o mesmo.


A “Reuters” noticia que o ECR também desafiará uma esperada proposta da Comissão Europeia de comprometer a UE a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 90% até 2040, face a 1990. Nas primeiras versões das prioridades para a legislatura, o PPE afirma o apoio às metas de emissões existentes, mas defende que outras políticas devem ser adiadas, incluindo uma futura proibição de bens importados ligados à desflorestação, o que impacta a política comercial europeia.


Os eurodeputados decidiram, ainda, na última semana antes do início da nova legislatura, não dividir a maior comissão parlamentar em temas separados, de ambiente e saúde, o que levou a um apelo do coordenador destas políticas do PPE para esta não seja sobrecarregada com mais legislação ambiental, o que foi interpretado como um sinal de menor disposição para avanços.


“O novo contexto político não elimina a ameaça existencial das alterações climáticas, nem a necessidade de defesa da autonomia estratégica da Europa em matéria energética. Acredito, por isso, que nestes dois domínios não teremos retrocesso, nem abrandamento”, insiste Costa Pina.


“As empresas têm mais capacidade de mudar o mundo do que os governos”, diz Luís Amado. “Tendo em conta os novos desafios resultantes da crescente preocupação com o impacto no ambiente, proveniente das atividades humanas, com especial foco para as atividades de produção de energia, entendo que nos próximos anos, e já atualmente, estaremos perante grandes oportunidades para aumentos de competitividade, com base em incrementos de transparência e eficiência dos processos”, acrescenta.


“Ainda que passem a ser outras as prioridades primeiras, as segundas não serão necessariamente subalternas. Apenas obrigarão a um esforço de compatibilização”, finaliza o sócio da SRS Legal.