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‘Bancabilidade’ dos projetos é a nova palavra-chave nas energias renováveis

Financiamento : Os novos projetos de energias renováveis estão a enfrentar maiores desafios no financiamento perante os preços voláteis do mercado que se têm registado este ano Acordos de longo prazo (PPA), garantias soberanas ou uma remuneração mínima garantida são algumas das sugestões de atores do sector.

Os promotores chegam a falar com sete a 14 instituições para licenciarem os seus projetos de energia renovável em Portugal. A revelação foi feita esta semana pela ministra do Ambiente e da Energia. Maria da Graça Carvalho abordou no Parlamento a questão dos licenciamentos, mas o sector energético também enfrenta desafios em relação aos financiamentos, que passam debaixo do radar da opinião pública.


É verdade que as taxas de juros já começaram a sua trajetória descendente, mas a queda dos preços no mercado grossista ibérico está a colocar em xeque a obtenção de financiamento. Como obter capital junto da banca, se a curva de receitas ao longo de 20 anos não garante a rentabilidade do projeto?


É certo que os preços têm vindo a recuperar (para esta sexta-feira, o preço médio da eletricidade atingia ontem os 59 euros/MWh), mas este ano registaram-se vários dias com preços negativos, o que aconteceu devido ao facto de as albufeiras estarem cheias por ter sido um ano mais chuvoso, deixando os promotores à beira de um ataque de nervos com a volatilidade do mercado.


A ‘bancabilidade’ (do inglês bankability) está a tornar-se na palavra-chave neste momento no sector: o projeto vai gerar receitas suficientes no futuro para obter financiamento agora?


Para a gestora de fundos britânica Nuveen Clean Energy Infrastructure (ex-Glenmont Partners), os acordos diretos de compra e venda de eletricidade entre promotores e empresas (conhecidos por PPA) são o caminho a seguir.


“Portugal tem aspetos muito atrativos para atrair financiamento para projetos de energias renováveis, entre os quais destaco, desde já, a estabilidade regulatória e a transparência do processo de ligação à rede”, começa por dizer Jordi Francesch. “Ainda assim, o país enfrenta certos desafios, nomeadamente no que respeita à estruturação da venda de eletricidade a offtakers como elemento-chave na obtenção de financiamento junto de terceiros. Sem contratos de venda de eletricidade a longo prazo que ajudem a estruturar a curva de receitas, não é possível financiar os projetos de energias renováveis com fundos de projeto atrativos. É por isso que neste momento estamos a trabalhar intensamente neste sentido para concluir acordos de longo prazo em matéria de PPA”, acrescenta o gestor do fundo que entrou em Portugal em 2009, já inaugurou mais de 600 MW e desenvolve agora oito projetos no país.


O líder global de gestão de ativos da Nuveen destaca “um constrangimento significativo que os projetos de energia renovável enfrentam em Portugal” que “prende-se com o cadastro e a propriedade rústica. Estabelecer acordos com proprietários de terrenos para a instalação de centrais solares é um passo crítico no sucesso destes projetos e temos verificado que em Portugal não é fácil determinar a propriedade de terrenos e a existência, ou não, de encargos hipotecários. Apesar dos esforços recentes, uma parte significativa deste cadastro ainda se encontra por digitalizar e por atualizar, o que afeta negativamente as perspetivas dos investidores deste tipo de projetos”.


E quais as soluções para melhorar o acesso a financiamento? Oresponsável defende a “expansão do cadastro rústico, do Balcão Único do Prédio e a digitalização das propriedades rústicas” uma “medida muito importante que irá facilitar a impulsionar o financiamento e desenvolvimento de projetos de energia renovável”.


E também defende a “criação de uma plataforma única que seja responsável pelos processos de licenciamento e que incluísse todos os documentos referentes a um dado projeto daria maior clareza ao estado do mesmo. Isto porque hoje continuam a persistir certas falhas ao nível da coordenação entre as diferentes entidades, que suscita dúvidas e potência incerteza junto das entidades financiadoras durante os seus processos de due dilligence”.


A Copenhagen Infrastructure Partners, por seu turno, está a investir num projeto de produção de amónia verde em Sines (MadoquaPower2X, um investimento de mais de 1,3 mil milhões), através do seu fundo CI ETF I que tem um poder de fogo na casa dos três mil milhões de euros, com vários projetos em carteira.


Entre os seus investidores, encontram-se “fundos de pensões, na sua maioria. A ideia fundamental é que se pode criar um projeto de infraestruturas, eólico, solar, que vai render um retorno financeiro durante 30 anos. É uma proposta muito atrativa para fundos de pensões”, disse ao JE Philip Christiani, sócio da gestora de fundos dinamarquesa, que conta principalmente com investidores dos países nórdicos e do resto da Europa.


Sobre o desenvolvimento de projetos por cá, destaca que o país já tem “um mercado eólico e solar muito desenvolvido. Existe uma forte cultura de criação de projetos. A administração portuguesa está a olhar para isto com uma atitude muito positiva”. Para o futuro, deseja “estabilidade na legislação e na governação do país nos próximos anos”.


Já Pedro Amaral Jorge, líder da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), aponta que a bancabilidade dos projetos em curso não está afetada, mas para os projetos futuros coloca-se a questão na obtenção de financiamento, devido aos preços baixos da eletricidade no mercado grossista ibérico, considerando que a sua bancabilidade está “ameaçada” na “ausência de um mecanismo” que garanta o reembolso dos capitais próprios e da dívida pelo investimento realizado. Defende assim a criação de um mecanismo que assegure um preço mínimo para as energias renováveis, para que seja criada uma “regra para a remuneração mínima das renováveis” no mercado spot. De forma a acelerar o financiamento, uma das soluções é a criação de “garantias públicas soberanas para conseguir fomentar os projetos” financeiramente. “A eletrificação de consumos vai requerer PPA ou soluções de autoconsumo para se defenderem da volatilidade dos preços atuais de mercado”, acrescenta. Por outro lado, aponta que a inflação está a cair e as taxas de juro estão a recuar o que são “bons sinais”.


Por sua vez, Daniela Ribeiro da consultora DNV salienta que o “maior desafio para o financiamento são as incertezas. Atualmente em Portugal as maiores incertezas são as de visibilidade de longo-termo (clareza nos objectivos do PNEC e nos mecanismos para as implementar), acesso à rede (tanto obtenção de termos de reserva de capacidade, como problemas de congestão) e dinâmica de preços atual (com preços negativos em horas de pico). No caso de tecnologias mais recentes (baterias, hidrogénio, eólica offshore flutuante) essas poderão sofrer um maior escrutínio”.


A especialista em energia aponta que a “opinião social também está a mudar em Portugal (sobretudo para o solar)” o que poderá ter “impactos” nos projetos. “Quanto mais previsibilidade e gestão das incertezas, mais fácil é obter os financiamentos”, conclui.