Em 1789, França era um país falido e devastado pela fome. Ao amanhecer do dia 14 de julho, em Paris, uma turba armada tomava posição junto da Bastilha, a fortaleza que servia de prisão aos opositores de Luís XVI, colocando em marcha uma das maiores revoluções da História. A revolta da burguesia, a que se junta a oposição camponesa, leva ao desmoronamento do antigo regime. A partir da Tomada da Bastilha nada ficará como antes.
Nesse mesmo dia, 14 de julho de 1789, na capital portuguesa, Lisboa, abria portas uma loja e manufatura de velas, a Caza das Vellas Loreto. Sem gente armada à porta, numa cidade que teremos de imaginar, mas marcadamente rural, com os ofícios concentrados nos atuais Chiado e na Baixa, onde os vendedores de rua eram presença constante, a par das carruagens. Nesta viagem no tempo, teremos também de vislumbrar uma Lisboa sem outra fonte de luz que não as velas, precisamente.
Aliás, aquando da sua fundação, recebeu como condição de funcionamento a iluminação da Rua com duas tochas acesas à noite. A tocha metálica que hoje vemos na fachada é memória dessa exigência.
Mas como sobrevive um negócio tão específico e à mercê do “progresso”? Basta recordar que as velas perderam importância para a iluminação pública, primeiro a gás e décadas mais tarde a eletricidade. O desafio, para não dizer a chama, reside na capacidade de se atualizar e reinventar. De acompanhar os tempos e de estar na vanguarda de técnicas e do design, equilibrando de forma criativa e dinâmica memória e património, tradição e modernidade.
Uma cápsula do tempo
Na família há seis gerações, a Caza das Vellas não só é uma das lojas mais antigas de Lisboa, como uma das mais atentas àquilo que o cliente de amanhã procura. O futuro já entrou porta adentro, embora a placa sob o relógio que encima o balcão não nos deixe esquecer que esta é uma “caza” com 232 anos de vida. A grafia mantém-se de origem, e o interior também, lembrando os teatros-miniaturas em que se acrescentavam camadas aos cenários para adensar a história.
Aqui, a segunda e terceira salas que se vislumbram desde o balcão, quais antecâmaras ao mistério que é a fábrica e a “adega” – como a família apelida a sala onde, noutros tempos, funcionavam as tintas –, levam-nos a querer penetrar nesta cápsula do tempo. O suave aroma a cera e óleos essenciais, os armários envidraçados, as madeiras que revestem a loja são um convite à contemplação e à viagem... Subimos ao primeiro andar para conversar com quem dá continuidade ao negócio de um visionário transmontano, Domingos de Saa Pereira de Mello.