Este “Ashenden, O Agente Britânico” de W. Somerset Maugham não é a primeira novela sobre agentes secretos escrita por britânicos. Talvez “O Agente Secreto” de Joseph Conrad, escrito em 1907, mereça essa honra. E mesmo “His Last Bow”, onde, em 1917, Arthur Conan Doyle coloca Sherlock Holmes como agente secreto, desmascarando um agente alemão, também é anterior a este livro. Mas “Ashenden” é um livro que influenciou muita gente. Os grandes nomes de novelas de espionagem como John Le Carré, Eric Ambler, Len Deighton ou mesmo Ian Fleming, todos renderam homenagem a Maugham como influenciador incontornável. O chefe de James Bond no MI-6 é “M”, tal como o de Ashenden é “R”. Não é um acaso: a ideia de usar uma letra para designar o chefe do MI-6 partiu do primeiro chefe deste serviço, Sir Marshall Smith-Cumming, que assinava como “C”.
Maugham conhecia o ambiente denso e nebuloso deste mundo: foi agente secreto durante a Primeira Guerra Mundial e passou as suas experiências para Ashenden, também ele culto, polido e com um olhar crítico e cínico sobre o mundo. As diferentes histórias que vão decorrendo diante dos nossos olhos e que têm Ashenden como elo de ligação mostram já um mundo onde a amoralidade reina, tal como os erros de análise. E os desastres horríveis. Numa delas o agente cruza-se com um assassino mexicano, que gosta que o chamem de “o general”, e ambos procuram eliminar um espião alemão. Mas a informação recolhida pelos chefes de Ashenten é incorreta e o mexicano mata um inocente. O mexicano não deixa de dormir por causa disso. Mas Ashenden fica muito incomodado. Noutra, Ashenden deve utilizar a paixão de um separatista indiano, que luta contra o colonialismo britânico, Chandra Lal, por Giulia Lazzari, uma rapariga de um cabaret, para conseguir que ele vá da Suíça para a França, onde poderá ser preso e executado pelos agentes ingleses. Lazzari apela a Ashenden para que os seus valores venham ao cimo e isso seja capaz de impedir que um homem possa ser conduzido à morte devido à sua paixão por uma mulher. Mas Ashenden é inamovível e mostra que o seu amor à pátria é superior aos seus sentimentos.
Os últimos capítulos do livro têm a ver com as ações de Ashenden na Rússia depois da queda de Nicolau II, quando o país, agora uma república sob a batuta de um anedótico Alexander Kerensky, oscila, antes de mudar para sempre. Para os ingleses só há um problema: se a Rússia sai da guerra e faz a paz com a Alemanha. Mas sabemos da história que, com a chegada de Lenine ao poder, a Grã-Bretanha não conseguiu manter a Rússia na guerra. E sabemos que os esforços de Ashenden acabam por falhar. O livro termina, com um sentido quase poético e sangrento à volta de um homem de negócios americano, Harrington, que gosta de ler alto, que viaja até Petrogrado para fazer negócios, que acredita que o mundo se rege pelas regras do seu país. Assina um contrato com o ministro nas vésperas dos bolcheviques tomarem o Palácio de Inverno e a russa Anastasia Alexandrovna (velha paixão do espião), reflexo das obras de Dostoiévski, assiste ao que Ashenden diz a Harrington: “O ministro assinou os documentos ontem porque sabia que não fazia qualquer diferença. Os seus contratos não valem nada. Os bolcheviques vão declarar a paz com a Alemanha assim que puderem”. Tudo acaba com Harrington morto na neve, segurando a sua roupa por lavar e engomar, e que achava que tinha de levar de volta para os Estados Unidos, quando o que estava em causa era salvar a pele.
Mestre da prosa, Maugham dá-nos as traves-mestras deste estilo de livros, cruzando connosco as suas próprias referências. Ao mesmo tempo que, com a sua cínica visão, mostra o mundo da espionagem como bizarro e cruel. Com os espiões usados como peões de um xadrez que não dominam e a moralidade como fraqueza. Ninguém parece estar totalmente certo ou errado. Só interessa ganhar e para isso todos os meios são usados. É a vida, como sempre.