O debate sobre a proposta do Governo para reduzir o IRS mostrou que a coligação governamental não vai ter uma vida fácil num parlamento onde dispõe, apenas, de maioria relativa. Não só o Partido Social-Democrata (PSD) teve de adiar a votação da proposta do Governo, como viu serem aprovados todos os projetos de lei propostos pelos partidos à esquerda, que beneficiaram da abstenção do Chega e da Iniciativa Liberal (IL) e só tiveram votos contra do PSD e do CDS.
“Houve uma atitude de absoluta irresponsabilidade do Partido Socialista [PS], uma aliança entre o PS e o Chega”, afirmou o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, depois de terem sido aprovados os projetos de lei do PS, Bloco de Esquerda (BE) e Partido Comunista Português (PCP), que propõem a concentração da descida dos impostos nos escalões mais baixos de rendimentos.
As duas maiores forças políticas, a seguir ao PSD, querem ver a proposta do Executivo alterada. O PS dificilmente estará disponível para a viabilizar tal como está e o presidente do Chega, André Ventura, classificou-a como “uma fraude” e “um remendo fiscal”, defendendo que seja dada prioridade aos que “ganham menos”, além de que continua a tentar obrigar o PSD a uma negociação direta.
Esta discussão passa, agora, para a Comissão de Orçamento e Finanças.
Os socialistas acusaram o governo de apresentar uma proposta “socialmente injusta” e que “agrava as desigualdades”. Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, justificou a postura do PS com a necessidade de permitir um debate “o mais amplo possível”, mas garantiu que não apoiará uma proposta que “baixa mais os impostos aos 10% de pessoas que têm mais rendimentos”.
Hugo Soares acusou o PS de estar “irredutível na sua posição”, mas admitiu “melhorar” a proposta do governo e apelou “à responsabilidade” para que, daqui a 15 dias, “o país possa ter um texto único para uma baixa de impostos”.
Durante o debate, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, também manifestou disponibilidade para dialogar e “chegar ao maior consenso possível”.
Fontes do PSD consideram, ao Jornal Económico (JE), que as negociações constantes no Parlamento vão passar a ser um “novo normal”.
O politólogo José Filipe Pinto, professor catedrático da Universidade Lusófona, concorda e reforça dizendo que vamos passar a assistir a negociações constantes, medida a medida. “É previsível o processo e imprevisível o resultado”, diz ao JE, acrescentando que o Executivo de Luís Montenegro é um “Governo em estágio”, no sentido em que “sabe que tem uma margem de atuação muito limitada”, sendo obrigado a “navegar com a costa à vista”, algo a que não estamos habituados.
Chega e IL também optaram por adiar a votação das suas propostas sobre o IRS. IL e o Pessoas, Animais, Natureza (PAN) foram os únicos partidos que se manifestaram disponíveis para viabilizar a proposta do Executivo.
A proposta do PAN foi a única a ser rejeitada no plenário.
José Filipe Pinto considera que a navegação no atual quadro parlamentar constituirá um período de aprendizagem para todos. Vê o Chega, “maioritariamente, como parte do problema”, e a IL, “maioritariamente, como parte da solução”, enquanto os partidos à esquerda do PS manter-se-ão no papel que têm seguido. Será o PS a ter de definir a sua posição. “Terá de descobrir como ser oposição, mas sem descurar o interesse nacional”, diz.