A noite eleitoral autárquica de 26 de setembro terminou para o PS-Madeira com a demissão do líder regional Paulo Cafôfo, que então prometeu não se recandidatar, na sequência da perda da Câmara do Funchal. Dias depois afastava-se também o líder parlamentar socialista na Assembleia Legislativa da Madeira, Miguel Iglésias.
Parecia ser um sinal de que a carreira política de Cafôfo chegava ao fim, pelo menos de forma temporária. Mas a rejeição do Orçamento do Estado para 2022, que provocou a dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições legislativas para 30 de janeiro de 2022, parece ter deixado em suspenso os planos anunciados na noite eleitoral.
O chumbo do Orçamento fez Cafôfo aparecer depois de um ‘adormecimento’ de sensivelmente um mês. O anunciado presidente demissionário do PS-Madeira tomou uma posição sobre a rejeição do documento pela Assembleia da República, alertando que este chumbo tem “consequências gravosas” para a região.
A intervenção pública de Cafôfo poderia pôr em dúvida se afinal seria presidente demissionário ou não.
A isto juntou-se o adiamento da comissão regional que teria como propósito a convocação do congresso que deveria eleger o novo líder do PS-Madeira.
Questionado pelo Económico Madeira sobre se com o chumbo do Orçamento do Estado e o adiamento da comissão regional ponderaria recandidatar-se à liderança do PS Madeira e se, no caso de avançar para a liderança, não estaria a contrariar o que havia dito na noite das autárquicas, Paulo Cafôfo disse que “os órgãos do partido estão em plenas funções até às próximas eleições internas e todos os processos decorrerão com toda a normalidade democrática. “O adiamento da comissão regional deve-se, exclusivamente, à situação da dissolução da Assembleia da República, aguardando-se apenas as datas da marcação das eleições legislativas [entretanto marcadas para 30 de janeiro]. É uma decisão coletiva pertinente, coerente e que salvaguarda o partido num momento de incerteza perante a calendarização das eleições antecipadas”, acrescentou.
O líder demissionário do PS-Madeira acrescentou que todas as suas declarações públicas “têm sido esclarecidas e esclarecedoras, pelo que não irei alimentar ficções”.
Entre o silêncio e a indefinição
O Económico Madeira contactou Bernardo Trindade, antigo secretário de Estado do Turismo, perguntando-lhe se a eleição de uma nova liderança do PS-Madeira, e o respetivo congresso, se deveriam realizar antes ou depois das legislativas. Em resposta, disse que “tem posição” sobre o assunto, mas que não a irá manifestar através da comunicação social. “Vou aguardar a convocação dos órgãos do partido para expressar essa posição”, afirmou.
Outro militante do PS-Madeira contactado pelo Económico Madeira, antes da marcação para 22 de novembro da comissão regional que, entre outros assuntos, irá debater a marcação do congresso que poderá eleger uma nova liderança, referiu que “não há unanimidade” quanto aos passos que venham a ser dados pelo partido até ao congresso.
A mesma fonte, que pediu anonimato, referiu que sente da parte do secretariado do PS-Madeira, presidido por Paulo Cafôfo, uma “grande indefinição” quanto ao futuro, e que existe preocupação em encontrar alguém com perfil “agregador” que substitua o atual líder. Ainda assim, essa fonte refere que existe um “sentimento comum” de manter as estruturas a funcionar e de “manter a serenidade”.
Por seu lado, o antigo presidente da Câmara de Porto Santo, Filipe Menezes, que já anunciou a intenção de se candidatar à presidência do PS-Madeira, considera que os socialistas estão num “desnorte completo” e com um problema “grave” de liderança.
O ex-autarca é favorável a que as eleições internas do PS-Madeira e respetivo congresso se realizem antes das eleições legislativas marcadas para 30 de janeiro de 2022. ”Pelo que vejo, isso não interessa a algumas pessoas que querem manter o status quo, que são as pessoas nas lideranças dos órgãos”, diz Filipe Menezes, apontando a militantes como Célia Pessegueiro, presidente da Câmara da Ponta do Sol, Paulo Cafôfo, e outros da sua confiança política.
Filipe Menezes considera que existe um grupo de elite que gira em torno de Cafôfo, sendo pessoas que “não querem perder” os seus lugares, e “não querem correr o risco de ficarem arredados destes lugares que lhes dão protagonismo e os colocam à frente de determinados cargos”. Vai mesmo mais longe, admitindo que este poderá ser um dos motivos para o congresso estar constantemente a ser adiado. “Sem dúvida”, diz ao Económico Madeira.
”A política é para fazer com frontalidade e não com receio”, reforça o antigo presidente da Câmara de Porto Santo. Filipe Menezes sublinha que quando se está num partido que se diz “muito democrático e pluralista” torna-se impossível de entender o “receio ou o medo” de convocar as eleições internas e o congresso no mais curto espaço de tempo possível.
Alerta também que se este rumo se mantiver o partido corre o “sério risco de derrocada”, com a perda de deputados do círculo da Madeira, face à “indefinição” e “falta de liderança e orfandade” em que Cafôfo o deixou. Atualmente, tanto o PScomo oPSDtêm três deputados na Assembleia da República.
Outro alerta deixado por Filipe Menezes tem a ver com a possibilidade de, confirmando-se a “derrocada”, haver maioria absoluta do PSD-Madeira nas próximas eleições legislativas e regionais.
Menezes pergunta a quem está a exercer funções nos órgãos regionais socialistas se é isto que “o partido quer, se isto é ser responsávele competente, se isto é maneira de governar o leme de um navio” com a importância do PS-Madeira.
”Infelizmente vejo o barco a ir contra a rocha, para não dizer ao fundo”, alerta, acrescentando que é preciso que o partido tenha “pessoas credíveis e capazes”, sendo preciso pensar com “cabeça, tronco e membros, de forma fundamentada e estruturada, e deixarem-se de brincadeiras, pois isto parece uma brincadeira de garotos, e não me revejo nesta forma de estar e de fazer política”.
O antigo autarca defende medidas como o alívio da carga fiscal, o aprofundamento da autonomia e a autonomia fiscal, e quer um partido forte que seja uma “alternativa credível” ao PSD-Madeira no poder.
E, recorrendo à experiência parental, pergunta “se chegar a casa e disser uma coisa hoje, outra amanhã, e outra daqui a um mês qual é a reação que os meus filhos e a minha mulher terão?” “Acabam por ralhar todos e ninguém tem razão. Quero ser um bom pai de família para o PS-Madeira, aproveitando a experiência como presidente de câmara e como advogado”, diz Filipe Menezes, que apesar das críticas reconhece mérito de Cafôfo nos resultados eleitorais do PS-Madeira.