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O mundo de Naipaul

VS. Naipaul nunca teve uma opinião muito positiva da história das sociedades.Talvez como Joseph Conrad, décadas antes. Viu muito e isso não o ajudou a melhorar esse olhar, que contemplou a indiferença face ao sofrimento das pessoas. Estas vivem e morrem, sem que que estruturalmente algo mude.

VS. Naipaul nunca teve uma opinião muito positiva da história das sociedades.Talvez como Joseph Conrad, décadas antes. Viu muito e isso não o ajudou a melhorar esse olhar, que contemplou a indiferença face ao sofrimento das pessoas. Estas vivem e morrem, sem que que estruturalmente algo mude.

V. S. Naipaul, nascido em Trinidad e Tobago, filho de emigrantes pobres da Índia, veio estudar para Inglaterra em 1950 e foi sempre muito marcado pelo intenso período de desagregação do Império onde o sol nunca se punha. E, claro, pelas viagens que foi fazendo a partir da década de 1960 e que o levaram ao subcontiente indiano, a África e às Caraíbas, onde também tentou perceber melhor a relação de um indiano emigrado e cidadão colonial num mundo cruel. Talvez isso explique um pouco o que foi Naipaul na sua relação com os outros e a sua opinião sobre as sociedades. Muito do seu cepticismo sobre o estado caótico da Índia que viu e a nem sempre muito lisonjeira análise sobre os povos que se iam libertando do jugo colonial, tornaram Naipaul alguém à parte no universo cultural global.

Um dos seus melhores livros, “The Overcrowded Barracoon” é sobre a ilha Maurícia, que visitou em 1972, e que, na sua mistura de indianos, africanos, chineses e franceses, lhe parece uma “meia-sociedade”. Onde os locais cortam cana-de-açúcar e os outros enriquecem. E ainda a Maurícia não se tinham tornado um parque temático turístico para deleite dos ricos ocidentais.

Aqui, neste “Um Caminho no Mundo”, Naipaul agarra no seu conhecimento do mundo e cruza uma série de histórias e personagens que, ao longo de séculos, motivaram um daqueles debates sem fim: quem modela quem? Os homens transformam as sociedades ou estas, aqueles? Talvez tudo se sintetize na história de Sir Walter Raleigh, que em 1618 vai em busca do Eldorado, na Guiana. O eterno sonho do ouro e da riqueza. Escreve Naipaul: “Simplesmente, não quer saber. Espera um golpe de sorte. Ou talvez não espere nada de nada. Em nenhum momento existiu um Eldorado na Guiana. Os espanhóis há muito deixaram de o procurar. Os franceses também deixaram de o procurar. Os holandeses nunca procuraram sequer. Vieram até cá com o único fito de fazerem trocas comerciais, querendo obter tabaco e sal. Nem o senhor nem Keymis viram fosse o que fosse no rio. Ambos pensaram que, uma vez que tantos o procuraram, o Eldorado tinha de existir.” Outra história extraordinária é sobre o revolucionário venezuelano Francisco Miranda, que quer a independência de toda a América do Sul espanhola, que decide invadir, até para que o sonho de Napoleão de conquistar aqueles territórios não se concretize. Estamos no início do século XIX. E tudo, num momento, pode mudar. O Eldorado descoberto. Ou a independência. Quimeras, talvez.

Este é um muito bom livro de Naipaul. Tenta imaginar como poderiam ser todos os mundos que visita nestas páginas através de histórias díspares e que cruzam séculos.
No fundo o que Naipaul faz neste livro é ligar nós desatados sobre as experiências coloniais e pós-coloniais, individualizando esses momentos. Sempre em busca da identidade e de realização pessoal. O que motivou conquistadores e aventureiros. Mas que também seviu para Naipaul descobrir a sua identidade.

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