David Lynch sempre nos serviu mistérios. Especialmente aqueles onde nos perdemos num labirinto e jamais encontramos a porta de saída. Seja na série “Twin Peaks” ou em “Blue Velvet”. Mas há um filme que continua, 20 anos depois, tão ambíguo como quando estreou, em 2001. É, na minha modesta opinião, o grande filme de Lynch, onde se circula em busca de um destino ou, simplesmente, de respostas que nunca se encontram. Nas suas curvas, perdem-se os sonhos e evocam-se os dramas, porque esta é a estrada dos acidentes, entre as casas luxuosas, a vista esplendorosa e o mundo real. Hollywood vive disto: de um sonho vendido e tragédias escondidas. Em “Mulholland Drive” (que será objeto de reedição especial até final do ano) encontram-se duas mulheres muito diferentes (uma que quer entrar no sonho, outra que deseja sair do pesadelo) e não é indiferente que “Vertigo” de Alfred Hitchcock surja sempre na memória quando falamos dele. Seduz pela intensidade, pela força que emerge por detrás das cenas de um filme ou da vida (“É esta a rapariga!”, diz quem manda nas sombras, ou o cowboy que se encontra com o realizador encurralado). Não interessa se há uma rapariga mais talentosa ou não. Só pode haver uma.
Depois temos a perda da inocência de uma jovem Betty (Naomi Watts) que chega, deslumbrada, a Hollywood para fazer uma carreira e que é desviada por circunstâncias que estão para lá do que consegue controlar. Quando conhece a morena Laura Elena Harring, que lhe surge depois de ter sofrido um acidente de carro, sem saber quem é, e que passa a chamar-se Rita depois de ver um poster de Rita Hayworth em “Gilda”. Quem é ela? Ela não sabe. Mas, naquela Hollywood, também ninguém sabe quem é. Lynch troca-nos todas as voltas, num jogo onde os sonhos podem ser a realidade ou vice-versa. Nada é real, parece dizer-nos. E nós só temos de acreditar, quando veneramos um mundo ou uma indústria como a do cinema, que não quer saber de nada nem de ninguém. A não ser da sua sobrevivência.