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Nuno Costa: "É necessária uma remodelação profunda das redes de distribuição de energia"

A inteligência artificial vai exigir capacidade massiva de dados e Portugal pode captar parte desse investimento, defende o CEO da Quadrante admitindo que estes Data Centers geram desafios ambientais relevantes que podem e devem ser ultrapassados através de boas soluções de engenharia e diálogo com as Autoridades. Nuno Costa diz ainda que o licenciamento é hoje um importante obstáculo e diz que "é preciso clarificar a legislação ambiental e urbanística, reduzir a burocracia e os prazos máximos".

A Quadrante é a empresa portuguesa líder em engenharia e consultoria ambiental. É quem desenha os Projetos de Engenharia, Arquitetura, Ambiente e Sustentabilidade. A empresa foca-se nos setores da Energia, Mobilidade e Cidades Sustentáveis. É a maior empresa de engenharia em Portugal e é cerca de 3x a segunda maior.

Desde 2023 que tem como acionista o fundo de private equity Henko Capital com 49,5% O resto é dos fundadores, Nuno Costa, Nuno Martins, João Costa e Tiago Costa. É uma empresa global. Em Portugal está apenas 30% da atividade da Quadrante. Há um ano a Quadrante comprou a Meta Engineering, grupo espanhol de consultoria e engenharia, mobilidade sustentável e produção de energia renovável, e a 3Drivers, a consultora portuguesa líder em economia circular
Nuno Costa é CEO e um dos fundadores da empresa.

Nos últimos cinco anos cresceram 35% ao ano em venda e em 2024, o Grupo atingiu 106 milhões de euros de receitas globais. Em 2025 esperam crescer para 125 milhões, revela em entrevista o CEO da Quadrante, Nuno Costa, para a rubrica semanal "O Decisor da Semana".

A Quadrante está em que mercados? Através de empresas de direito local (filiais) ou através de escritórios de representação?

Atualmente estamos presentes em mais de 20 países organizados em quatro mercados, cada um com o seu gestor: Portugal, Médio Oriente e África; Espanha e América Latina; 3) Roménia e Europa de Leste; Brasil e Chile. Atuamos através de subsidiárias locais — em Espanha, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Moçambique, por exemplo — e também com escritórios de representação em mercados estratégicos, o que nos permite proximidade cultural, legal e de clientes.

Vão abrir noutras geografias?

Temos uma estratégia clara de expansão. O nosso próximo grande passo é o mercado norte-americano, onde acabámos de contratar um CEO e estabelecer uma joint-venture com uma empresa local. Nos EUA vamos focar-nos em Energia, nomeadamente na Produção e Transmissão. Continuaremos também a reforçar a presença na Europa de Leste, América Latina e em África, em áreas onde acreditamos ter know-how diferenciador.

Nos Estados Unidos só vão fazer projetos de energia transmissão e distribuição? Faz sentido uma empresa de design de projetos de energia renovável ir instalar-se nos Estados Unidos, numa altura em que a administração Trump está a desinvestir na “energia verde”?

Os EUA são um mercado sofisticado e exigente, mas de uma enorme dimensão e com necessidade de melhorar profundamente a sua infraestrutura energética. A nossa entrada não se limita apenas a transmissão e distribuição: queremos também estar na geração renovável. Independentemente de ciclos políticos, a transformação energética é incontornável, na medida em que existem necessidades prementes de aumento de produção de energia. Essas necessidades dificilmente se podem atender apenas pelas formas de geração “tradicionais”, já que a energia renovável tem ciclos de implementação muito mais rápidos. F fará por isso certamente parte do portefólio variado de produção que em qualquer país é necessário.

É preciso remodelar as redes de distribuição? Nos Estados Unidos e em Portugal? O que é preciso fazer? Quem tem de conduzir esse investimento?

Sim, tanto em Portugal como nos EUA, em Espanha e em muitos países da América Latina, é necessária uma remodelação profunda das redes. É preciso reforçar a capacidade, digitalizar infraestruturas, integrar armazenamento e adaptar a rede para haver produção descentralizada e adaptação aos novos consumidores, como data centers. O investimento deve ser conduzido por operadores de rede, mas em parceria com investidores privados e com enquadramento regulatório claro dos governos.

Qual é o mercado mais relevante para a Quadrante e porquê?

Portugal representa cerca de 30% da nossa atividade, embora seja onde temos o nosso centro de decisão. Hoje, Espanha, Brasil e Chile são altamente relevantes e, no futuro, os EUA terão um peso significativo. A relevância vem da conjugação de procura, estabilidade regulatória e dimensão dos projetos.

Quais os resultados e faturação da Quadrante?

Em 2024, o Grupo atingiu 106 milhões de euros de receitas globais. Em 2025 esperamos crescer para 125 milhões, com geração sólida de EBITDA. Pretendemos um resultado ainda mais importante: garantir a contínua satisfação dos nossos clientes e dos nossos mais de mil colaboradores.

Quanto é que faturam em Portugal? Quais são os principais projetos em Portugal e em que fase estão?

Em Portugal faturamos cerca de 30% do total. Temos muitos projetos em várias áreas: na área da mobilidade positiva, fomos responsáveis pela expansão da rede de metro de Lisboa e Porto, ou pelo projeto de expansão da capacidade aeroportuária na região de Lisboa. Naa área da transição energética, em projetos de energias renováveis e em projetos relacionados com a extração e conversão de de lítio em Portugal. Desenvolvemos o projeto para a nova gigafactory em Sines e também de várias unidades de hidrogénio verde e biogás. Na área das cidades sustentáveis, temos sido responsáveis por vários projetos de melhoria de sistemas de abastecimento de água e drenagens, entre muitos outros. Foi nosso o projeto de engenharia do novo hospital Lisboa Oriental, conhecido como Hospital de Todos os Santos, e ainda por muitos projetos institucionais ao nível da Comissão Europeia para desenvolvimento de Políticas de Circularidade.

Em 2023 uma capital de risco investiu na Quadrante. A Henko deu grande input à atividade da Quadrante? Quer quantificar?

A entrada da Henko trouxe um incremento da disciplina de gestão e uma visão internacional reforçada. Não se trata apenas de capital: ajudou a robustecer processos de governança e a preparar o Grupo para crescer fora de Portugal. Quantificar é difícil, mas claramente foi um fator de aceleração e aumento de ambição.

Os custos são altos? São custos com pessoal a maior fatia dos custos? É difícil reter talento nesta área?

Na nossa indústria, o maior investimento é no talento, concretamente em engenheiros, arquitetos e especialistas. É uma área altamente competitiva e, por isso, fazemos um esforço para oferecer às nossas pessoas as melhores oportunidades de crescimento e progressão possível. Implementámos agora uma espécie de “programa Erasmus” interno em que jovens engenheiros podem trabalhar durante alguns meses em qualquer escritório do Grupo. Já vamos na segunda edição e é um tremendo sucesso – a experiência de poder estar em São Paulo, Santiago do Chile, Lisboa, Porto, Barcelona, Madrid e Bucareste é muito enriquecedora para os nossos engenheiros e arquitetos, e para a empresa permite o reforço dos laços entre pessoas de diversas geografias, tornando a colaboração mais fácil e fluída.

Na sua opinião, a Engenharia devia ser tornada um Cluster Nacional? Porquê e que conselhos deixa ao Governo?

A Engenharia devia ser assumida como cluster estratégico em Portugal, como já acontece com o turismo ou as energias renováveis. Temos talento, universidades e empresas competitivas e uma tradição de engenharia muito sólida. Nos anos 60 a Engenharia Portuguesa era reconhecida mundialmente. Nada impede Portugal de retomar esse lugar.

Não me compete dar conselhos ao Governo, mas uma maior articulação entre políticas públicas, entre academia, empresas e investimento público seriam fundamentais para a projeção internacional. Não se pode ser forte no exterior sem ser forte no próprio país. E em Portugal a Engenharia não é bem tratada. Basta ver que o setor público compra frequentemente serviços de Engenharia com o critério de preço mais baixo. Sem considerar a experiência, a equipa, a capacidade e o valor entregue. Isso degrada os agentes económicos que não têm qualquer incentivo para investir e crescer.

No ano passado compraram a Meta Engineering, grupo espanhol de consultoria e engenharia, mobilidade sustentável e produção de energia renovável. Qual foi o valor do investimento e o que é que a Meta trouxe ao Grupo Quadrante?

O valor do investimento não é público, mas a Meta Engineering e a sua participada Izharia (Energias) acrescentou competências críticas em mobilidade sustentável e energia renovável, reforçando a nossa presença em Espanha e Latam. Trouxe também equipas talentosas e uma rede de clientes que consolidou o Grupo como player ibérico relevante.

Quantas empresas tem o grupo e quais as mais relevantes?

Hoje o Grupo integra a Quadrante, 3Drivers, Meta e Izharia. São as marcas mais relevantes, cada uma com especialização distinta: Quadrante em engenharia multidisciplinar e estudos ambientais, 3Drivers em consultoria de sustentabilidade, Meta em mobilidade, e Izharia em energia renovável e redes.

Há uma onda de Data Centers a chegar à Iberia por causa da IA? Portugal pode vir a ser um hub de data centres? Porquê?

Portugal tem condições importantes para acolher um importante conjunto de investimentos deste tipo. Temos energia a custos competitivos pela penetração das renováveis, condições geográficas e cabos submarinos que nos ligam à Europa, América e África. A inteligência artificial vai exigir capacidade massiva de dados e Portugal pode captar parte desse investimento. Claro que estes Data Centers geram desafios ambientais relevantes que podem e devem ser ultrapassados através de boas soluções de engenharia e requerendo um diálogo com as Autoridades para beneficiarem as populações locais, promovendo um desenvolvimento sustentável.

Mas não há um problema de licenciamentos destes Data Centers? Lembro o caso da Start Campus que levou à queda do Governo de António Costa… É preciso mudar a legislação? Que legislação em concreto?

O licenciamento é hoje um importante obstáculo. É preciso clarificar a legislação ambiental e urbanística, reduzir a burocracia e os prazos máximos, aumentando a responsabilização dos agentes económicos e investidores. A legislação atual assenta pouco na regulação e responsabilização dos developers e muito na responsabilização de quem aprova. Este desalinhamento de interesses promove atrasos e ineficiência. Transparência e estabilidade regulatória são essenciais para atrair investidores importantes.

A Compass Group é a holding. Vão ter uma marca para unir o grupo inteiro?

A holding do Grupo designa-se Compass, mas em breve vamos lançar a marca do Grupo que unifica internacionalmente todas as empresas. Acreditamos que isso aumentará a consistência e escala global.

Como é que é a estrutura de gestão da Quadrante? Quem é a comissão executiva? A Henko está na gestão?

A nossa estrutura de governo tem uma estrutura clássica – um Conselho de Administração com funções de controlo estratégico e compliance, uma Comissão Executiva com funções de gestão diária e um Conselho Fiscal.
A Comissão Executiva integra representantes dos diversos Setores e um CFO. A Henko não está na Comissão Executiva – apenas no Conselho de Administração.

Qual a qualidade que é preciso ter para gerir uma empresa como a Quadrante?

Acredito que liderar uma empresa como a Quadrante exige “head on the clouds, boots on the ground” — visão estratégica e ambição, mas sempre aliadas à capacidade de execução e a um conhecimento profundo do negócio e da atividade. Só assim é possível transformar ideias em resultados concretos e criar impacto sustentável.

Se tivesse que escolher uma citação em que se revê, qual escolheria?
“Kites rise higher against the wind, not with it” ou “Sometimes you win, sometimes you learn” [os Kites voam mais alto contra o vento, não com ele” ou “Às vezes você ganha, às vezes você aprende”].