Jacinto Reis Oliveira conduz uma empresa que escapa ao radar de muitos fora do sector e dá a Portugal protagonismo exportador numa atividade improvável: o fabrico de camiões de bombeiros.
A empresa leva o nome do fundador – Jacinto Marques de Oliveira – emprega 180 pessoas, fatura uns 50 milhões de euros (em 2024 foram 49.750.000 certos) e mais de três quartos da sua produção vai para fora. “O volume de exportação anda anualmente entre os 70% e os 90%”, diz-nos o diretor-geral.
Olhando para estes números, é claro que se trata de um dos tesouros de Esmoriz, uma cidade no concelho de Ovar, conhecida pela praia de extenso areal, água fria e mar agitado. Esta história conta-se aí e começa num Portugal lá longe.
Em 1954, Jacinto Marques de Oliveira funda uma empresa para fazer bombas para tirar água dos poços, mas cedo encontra outro caminho, dentro do seu próprio mundo. “O fundador também era bombeiro voluntário e havia uma necessidade muito grande, nos anos 50 e 60 (do século XX), de veículos que não havia. Assim, eles começaram por fazer pequenas adaptações a veículos civis para poderem ajudar os bombeiros”, conta-nos Jacinto Reis Oliveira.
É uma passada na evolução, porém, o grande salto será dado na década de 80 quando a empresa do distrito de Aveiro se aventura na construção do primeiro protótipo integral de um veículo de combate a incêndio florestal em parceria com a Salvador Caetano. “Fizemos umas 250 unidades de um veículo Toyota de oito toneladas com a capacidade de poder transportar uma quantidade assinalável de água”, salienta. O engenho colhe de surpresa os próprios japoneses que atravessam meio mundo para ver in situ que transformação é que os portugueses fizeram que permitiu passar a tração de um carro de combate a incêndios de 4X2 para 4X4.
Daí para cá várias outras inovações viram a luz do dia, como o Eco Camões, o primeiro veículo de combate a incêndios totalmente elétrico e não tripulado, no mundo, em 2019.
Se a inovação é o catalisador do desenvolvimento, a internacionalização é o acelerador. Essa foi a carta tirada da manga em 2009, durante a ‘euro crise’. A Troika chegará a Portugal menos de dois anos depois, mas o sector antecipa já as (inevitáveis) dificuldades. Um concurso, por fim, lançado para a produção de 70 e tal veículos acaba mal para a Jacinto, que fica entre a espada e a parede.
“Estávamos no concurso e perdemos. Só nos restavam duas soluções: investíamos para a exportação ou reduzíamos os recursos que tínhamos na empresa. Optámos pela primeira via”, explica-me.
Para o tiro de partida aponta-se à Interschutz, a maior feira mundial de fogo e proteção civil, resgate e segurança do mundo, que se realiza a cada cinco anos, em Hanover, no norte da Alemanha. O arrojo compensa. “Nunca mais esquecerei, pois fui eu que fiz a feira, nós conseguimos à volta de 100 contactos e tudo contactos promissores”, lembra.
No regresso a Esmoriz, não há mãos a medir. Uma décima parte dos contactos traduzem-se em vendas: “O mercado da América do Sul abriu-se-nos aí. A Argentina, o Chile e mesmo o Brasil, onde, depois, vendemos para o Mundial de Futebol. Foi essa feira que catapultou a Jacinto”, diz.
Desde então passaram 15 anos. De Esmoriz saem cada vez mais camiões e para mais países. No mapa do negócio, o Chile e a Argentina mantêm a importância, mas também o Uruguai e o Brasil. O mesmo para o Médio Oriente, onde detém uma quota relevante no sector das refinarias. Na Europa ficam os mercados mais maduros (Portugal, Espanha, França) e outros em ascensão (Leste). Recentemente, foi a Grécia a equipar-se com o “made in Portugal”. O contrato para 81 veículos de combate a incêndio soma 22 milhões de euros. Na África e Ásia, as vendas são pontuais, mas há viaturas Jacinto a apagar fogos nas distantes Tailândia, Bangladesh ou Myanmar.
Jacinto Reis Oliveira é quarta geração e, tal como Jacinto Marques de Oliveira, veste, com orgulho, a farda de soldado da paz. Entrou para o corpo de Bombeiros aos 14 anos e, conta o jornal digital “OvarNews” que, em 2021, quando convidado para comandar os Voluntários de Esmoriz, exigiu uma votação secreta entre os operacionais, que foi aprovada praticamente por unanimidade.
A mim, conta-me ele, não com menos orgulho, que a Jacinto acaba de dar mais um passo inovador com uma linha de produtos direcionados à defesa e segurança nas áreas militares e polícia. A aposta na Jacinto Defense, acredita, pode alavancar a entrada de uma empresa nacional na produção de veículos de defesa militar, o que muito elevaria esta indústria em Portugal.
Também com “essa” na mira, o engenheiro-gestor (é formado em engenharia mecânica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e tem um MBA da Porto Business School), regressará, em junho de 2026, a um lugar onde foi feliz.
“Já temos o projeto!”, diz. E acrescenta, levantando a ponta do véu: “é um veículo que dará não só para o combate a incêndios como para a parte da defesa”. Hannover wartet!
Jacinto, na linha da frente do combate a incêndios
Verão. Os incêndios não dão tréguas e não é só cá. Poucos saberão, mas na linha da frente do combate aos fogos no mundo há uma empresa portuguesa. A Jacinto faz camiões de bombeiros, fatura 50 milhões e exporta mais de três quartos da produção.
