Eric Zemmour Justin Leon nasceu em 1958 em Montreuil (departamento de Sena) e é a primeira geração nascida em França de uma família francesa judia da Argélia (judeus Pied-Noir) que imigrou para a metrópole em 1952. Diz de si mesmo que é um judeu berbere, o que o coloca simultaneamente em duas trincheiras de ódio racial: na dos berberes, que alastra pela Europa a um ritmo alucinante desde a crise dos refugiados de 2016; e na dos judeus, que, nunca tendo tido uma vida desafogada em França salvo se fossem imensamente ricos (vide o caso Dreyfus), passaram a ser cada vez mais perseguidos no norte de África, principalmente desde a guerra israelo-árabe de 1948.
É por isso com alguma surpresa que Eric Zemmour se distinguiu em França como alguém particularmente disponível para identificar a imigração como a mãe de todos os problemas dos gauleses. Talvez alguém já lhe tenha perguntado o que pensam os seus próprios pais dos avatares ideológicos de Eric Zemmour, mas com certeza que não terá encontrado resposta, uma vez que o enfant terrible da extrema-direita francesa (mais um) recusa permitir qualquer fissura no muro atrás do qual acantonou a sua vida pessoal e familiar. Do pouco que se sabe, Roger e Lucette, pai e mãe, ambos já desaparecidos, eram os opostos: ele rigoroso até à vergastada com o recurso ao cinto das calças, ela super-protetora até ao endeusamento. Já agora, também vale a pena saber-se que a sua mulher (mãe dos três filhos do casal), Mylène Chichportich (nascida em 1959 em Montreuil), é de origem judaica tunisina.
Mas esta não é a única surpresa que acompanha a candidatura (recentemente efetivada) de Eric Zemmour às presidenciais francesas de abril próximo. A surpresa politicamente mais relevante está no facto de Zemmour – ex-jornalista, escritor, ensaísta e principalmente polemista – ter conseguido uma forte notoriedade, consubstanciada nas sondagens, no seio de um lugar específico do espectro político francês, a extrema-direita, onde até agora imperava a vontade da herdeira do homem que desbravou esse lugar: Marine Le Pen. De algum modo, era como se, em Portugal, de repente Mário Machado fosse politicamente mais valioso que André Ventura.
Apesar de todas estas surpresas, e ao contrário do que sucedeu com Marine Le Pen, Zemmour já percebeu que a moderação (do discurso, da postura e de um ou outro elemento da coreografia que o acompanha) é uma tentação a que deve resistir, sob pena de perder o elã político de que é alvo. O primeiro comício da campanha foi disso uma prova: enquanto apresentava o seu já costumeiro argumentário – a expulsão de todos os imigrantes que não se encontrem a trabalhar é a sua principal linha de força – uma parte de sua entourage envolvia-se em cenas de pancadaria com elementos de um grupo antirracista. Esta será com certeza uma cena que se vai repetir, se não mesmo agravar-se até ao limite.
Mas esta sua exuberante erupção no seio da extrema-direita pode ser também, dizem os críticos, a sua maior fragilidade: Marine Le Pen, habituada há anos a fazer parte da restrita lista dos que conseguem com facilidade passar à segunda volta das presidenciais francesas, vai com certeza vender cara essa sua condição. Esta belíssima notícia para Emmanuel Macron ainda não se consubstanciou em nenhuma evidência de campanha, mas a guerra civil que se adivinha na extrema-direita francesa vai ter consequências que valerá a pena acompanhar.
Zemmour – de quem o escritor francês Michel Houellebecq disse ser o “avatar contemporâneo mais interessante” dos “católicos não cristãos” – foi condenado em 2011 por “provocação à discriminação racial” e em 2018 por “provocação ao ódio religioso contra os muçulmanos”. A dupla Zemmour-Houellebecq estará em foco até abril de 2022: é que Zemmour parece ser o homem certo para liquidar essa espécie de profecia que constitui o enredo de ‘Submissão’ (editado por Houellebecq em 2015). Eis o resumo desse enredo: nas eleições presidenciais francesa de 2022, e depois de um segundo mandato de François Hollande (um erro na análise do escritor, que não previu o fenómeno Macron), Mohammed Ben Abbes, um político muçulmano carismático e presidente do novo partido Irmandade Muçulmana, consegue ser eleito presidente de França à segunda volta, com o apoio dos partidos do centro ligados a Sarkozy, dos liberais da União dos Democratas e Independentes e do PS francês, em oposição à Frente Nacional (que agora se chama Reagrupamento Nacional) liderada por Marine Le Pen (que agora se chama Eric Zemmour).