Doce como um pastel de nata”. Foi desta forma que a revista britânica The Economist resumiu a prestação económica de Portugal em 2025, que elegeu como a melhor do ano entre os 36 países mais ricos do mundo. Portugal “conseguiu combinar um forte crescimento do PIB, baixa inflação e um mercado de ações em alta”, justificou a publicação.
A distinção internacional deu motivos ao Governo para sorrir, sobretudo em semana de greve geral - é uma “justa aclamação do trabalho dos portugueses”, disse o primeiro-ministro - , e reforçou o argumento usado para justificar as alterações à legislação laboral. As mudanças, tem sustentado Luís Montenegro, devem ser feitas em momentos de estabilidade política, económica e financeira, e não “quando o país está à rasca”.
Mas do lado de quem contesta o pacote laboral do Governo questiona-se a razão de ser das alterações propostas, numa altura em que a economia portuguesa dá cartas. O momento pede “consolidação dos bons números” e não que se façam alterações “à pressa”. Esta é a linha de argumentação, por exemplo, da UGT, uma das cenrais sindicais a aderir à greve geral de quinta-feira.
“Portugal pode orgulhar-se do reconhecimento internacional, mas esse mérito não pode ser instrumentalizado para justificar um pacote legislativo que não corresponde às necessidades dos trabalhadores nem ao compromisso assumido com o diálogo social”, afirma ao Jornal Económico (JE) Sérgio Monte.
O secretário-geral-adjunto da UGT defende que “uma economia forte exige estabilidade, direitos e previsibilidade — e não mudanças legislativas precipitadas num momento em que o país precisa de consolidar, e não arriscar, os resultados alcançados”.
Sérgio Monte diz também que, embora os indicadores sejam relevantes, “não contam toda a história”. “A evolução do emprego é real, mas continua marcada por problemas estruturais: salários baixos, precariedade persistente, fragilidade das carreiras e desigualdades que permanecem entre setores”, argumenta o sindicalista.
Para o economista e professor universitário João Cerejeira, o timing não é o melhor. Ao invés, as alterações deveriam ter sido sugeridas aquando da discussão do acordo de rendimentos, há um ano, até porque “há outras dimensões que devem ter sido tidas em conta”.
“As questões que estamos aqui a discutir têm outras implicações. Na questão da produtividade, por exemplo, a lentidão da justiça e dos licenciamentos, a carga fiscal ou as políticas de proteção social […] também têm a ver com a maior ou menor facilidade com que as empresas podem proceder a despedimentos”, aponta, pelo que a discussão laboral tem de ser feita de forma mais abrangente.
O consenso parlamentar para aprovar estas reformas não é certo – na realidade, e olhando para as declarações públicas do candidato presidencial apoiado pelo PSD, nem no partido parece haver uma posição consensual. João Cerejeira foca esta discórdia para lembrar que “o Governo não tem maioria no Parlamento” e, sem negociações com a oposição, “passado algum tempo estamos a reverter essas medidas”.
Já Luís Aguiar-Conraria considera que mexidas estruturais como as em cima da mesa “devem ser feitas quando a economia está bem”, embora com duas ressalvas importantes: primeiro, concordar com o timing “não implica que concordo com as mudanças”, até porque a legislação atual “já me parece razoavelmente flexível” e há questões de possível inconstitucionalidade nas alterações propostas; segundo, “não se pode confundir uma análise estrutural com variações de um ano para o outro”.
“Tivemos um ano em que crescemos razoavelmente, mas […] isso não quer dizer que a nossa economia seja melhor do que a alemã ou austríaca, que este ano cresceu menos. São coisas diferentes e aqui falamos da estrutura do mercado de trabalho – algo mais estrutural e não conjuntural”, esclarece.
Deve “a economia do ano” alterar as leis do trabalho?
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Portugal foi distinguido pela ‘The Economist’ como a economia do ano, mas tal não afastou o Governo de avançar com reforma laboral. Fica a questão: será este o timing certo para as alterações?