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As viagens de Eça

Eça de Queirós é um autor central na literatura portuguesa. Não há nenhum outro que seja tão fulcral, porque o seu universo ultrapassa o da pura literatura: é um olhar vasto e crítico sobre a sociedade do seu tempo, sobre as suas vaidades e fragilidades, sobre as suas falsas riquezas e escondidas pobrezas.

Eça de Queirós é um autor central na literatura portuguesa. Não há nenhum outro que seja tão fulcral, porque o seu universo ultrapassa o da pura literatura: é um olhar vasto e crítico sobre a sociedade do seu tempo, sobre as suas vaidades e fragilidades, sobre as suas falsas riquezas e escondidas pobrezas. Eça legou-nos uma série de personagens que exemplificam a tristeza deste sítio. Até porque muitos deles replicam-se nas gerações seguintes, incluindo o tempo que agora vivemos. O seu olhar vasto transporta-nos também para a literatura de viagens, dispersa por muitos livros e correspondência que publicou na imprensa da época.

Este livro, “Outras Paragens”, faz uma recolha muito interessante desta capacidade de vislumbrar noutras latitudes, servindo para refletir sobre o mundo e as pessoas que nele se cruzam. Há “O Egippto”, é claro, fruto da sua viagem à inauguração do canal do Suez (que não surge nesta compilação). O seu fascínio pelo “exotismo”, algo que era muito comum na época por toda a Europa, estende-se por muito do que escreveu. E é isso que aqui interessa. Há excertos da “Correspondência de Fradique Mendes” (note-se o que já se sentia pela influência ocidental: “A dança e a poesia, afirmava Fradique, as duas grandes artes orientais, iam em misérrima decadência.

Numa e noutra se tinham perdido as tradições do estilo puro”). Há excertos de “Os Maias” ou de “A Cidade e as Serras”, mas também ecos de Paris e Londres ou mesmo comparações das grandes cidades com Lisboa (“Atenas produziu a escultura, Roma fez o Direito, Paris inventou a revolução, a Alemanha achou o misticismo. Lisboa que criou? O fado”. E isso, claro, para Eça, não é uma alegria. Recupera-se neste volume o excelente “Chineses e Japoneses”, que tenta demonstrar-nos a clivagem entre as duas grandes nações da Ásia. Não deixa de ser singular o que escreveu: “A desorganização económica que se deu na Califórnia virá repetir-se na Europa com descomunal magnitude. Nas fábricas, nas minas, no serviço dos caminhos de ferro, não se verão senão homems de rabicho, silenciosos e destros, fazendo por metade do salário o dobro do serviço; e o operário europeu, eliminado, ou tem de morrer de fome, ou fazer revoluções, ou de forçar os Estados a guerras com quatrocentos milhões de chineses”. Pense-se na atual globalização económica e nos novos nacionalismos e necessidades económicas e veja-se a densidade do pensamento de Eça. Quando falava de mundos com que sonhavam os viajantes.

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