De vez em quando os portugueses aborrecem-se e removem da cadeira do poder quem os governa. É, normalmente, uma atitude sensata porque quem está no Governo se cansou ou achou que estava acima das leis da gravidade. Não é uma surpresa: aconteceu com o doutor Cavaco, com o doutor Guterres, com o doutor Sócrates e com o doutor Passos Coelho. Em finais de Janeiro se descobrirá a quem saíu a fava do Bolo Rei. Tudo separa os dois pretendentes ao trono: o PS quer manter-se no poder; o PSD quer ir para o poder. Para além dessa profunda clivagem ideológica há outras coisas que tornam impossível qualquer proximidade.
Como por exemplo: ambos querem conquistar o “centro”, essa Terra do Nunca outrora habitada pela classe média, entidade que já só se encontra no Museu de História Natural ao lado dos dinossauros. E que foi destruída por sucessivos governos onde, claro, nunca estiveram o PS ou o PSD, mas sim um gestor de Plutão. Há, claro, outra grande diferença programática que baralha os eleitores: o PS apresenta como candidato o doutor Costa e o PSD propõe o doutor Rio. Com tantas diferenças programáticas os portugueses têm uma dura missão para escolher o sentido do voto: ou simpatizam mais com o doutor Costa ou antipatizam mais com o doutor Rio. Ou vice-versa. Escutando as ideias saídas do Congresso do PSD e de um colóquio com jovens do PS, ficamos com a noção que ambos os candidatos se assemelham a uma versão da Fada Sininho.
Acreditam que usando uns pozinhos de “perlim pim pim, zás!” passaríamos a ter um país à semelhança da sua “visão”, coisa que nos seus discursos foram incapazes de esclarecer o que era. Na sua época Cícero deu bons conselhos ao seu irmão mais velho, Marco Túlio Cícero, quando este se candidatou a eleições: “Não faças promessas específicas; queda-te em generalidades”; ou “o mais importante da tua campanha é dar esperança às pessoas e gerar sentimentos bondosos face a ti”. Marco Túlio ganhou. Não há a certeza de que qualquer um destes conselhos seja importante. Quando estamos a discutir se um candidato é melhor ou pior porque é mais fotogénico ficamos defronte da indigência do debate eleitoral que nos espera. Ou seja, a campanha será um ovo. Chocado pela descrença nacional pela política. O doutor Costa ou o doutor Rio podem ser eleitos. Mas são as janelas de oportunidade para o país, como dizia alguém, que estão em causa. O país não pode continuar a ser um ovo estrelado em que alguns molham o pão. Ou mexido, que outros dividem.
A questão da governação é, no entanto, uma mistura de ovos. Uns fora do prazo.
Outros ainda passíveis de ser consumidos. Não parece haver grandes “clivagens ideológicas” entre os candidatos. Os candidatos caminham e não vão deixar vestígios das suas pegadas. Ganhará o que causar menos incómodo aos ouvidos dos portugueses. Que nos dizem o doutor Costa e o doutor Rio? Que querem “reformar” o país, “fazer a transição digital”, idolatram a “economia verde”, louvam o SNS, anseiam por mais “investimento público”, por sua vontade não haverá “salários baixos” e as pipocas serão gratuitas. Não dizem como se deve financiar um SNS que precisa de investimento estrutural, como se pode conciliar a falta de água no sul do país com a cultura intensiva, qual deve ser o modelo económico e industrial para que o país seja competitivo, como se deve reformar a sério a Justiça para ser célere e ativa, qual deve ser o peso da cultura. Palra-se muito, faltam ideias. O doutor Rio, para se diferenciar, quer mais autoridade e cortar subsídios aos que não querem trabalhar. O doutor Costa só quer que tudo continue na mesma e para isso polvilha as listas de deputados do PS de ministros, secretários de Estado e yes-men.