O Banco de Portugal apertou as regras no crédito à habitação há dois anos, implementando novos limites para encolher a maturidade média dos empréstimos para a compra de casa para os 30 anos. Quase todas as instituições financeiras têm cumprido, mas há situações em que estes limites estão a ser ultrapassados. Dados do regulador mostram que praticamente um em cada 10 créditos à habitação não respeitam a regra da idade imposta pela entidade liderada por Mário Centeno.
“Em dezembro de 2023, a maturidade média ponderada das novas operações de crédito à habitação foi de 30,6 anos, que resulta do cumprimento quase generalizado por parte das instituições da convergência da maturidade média para 30 anos”, refere o Banco de Portugal no mais recente relatório de acompanhamento da recomendação macroprudencial. Isto representa uma redução de 2,8 anos desde julho de 2018, fruto das novas regras para reduzir a maturidade dos créditos à habitação em vigor desde 2022, mas mantém Portugal acima daquela que é a média europeia.
O regulador definiu que os novos créditos para a compra de casa têm uma maturidade máxima de 40 anos para os clientes bancários com idade igual ou inferior a 30 anos, enquanto os contratos com clientes entre os 30 e os 35 anos têm um prazo máximo de 37 anos. Já para os mutuários com idade superior a 35 anos, a maturidade máxima do financiamento do banco recuou para 35 anos.
No relatório, o Banco de Portugal diz ter observado a “implementação de medidas por parte das instituições que permitiram a redução para valores imateriais das ultrapassagens aos limites máximos por escalão de idade dos mutuários”. Mas ainda há casos em que esta ultrapassagem dos limites acontece, nomeadamente nos mutuários com idade entre os 30 e os 35 anos.
Dados anuais relativos à distribuição das novas operações de crédito à habitação por escalão de maturidade do empréstimo e por escalão de idade dos mutuários, disponibilizados pelo regulador ao Jornal Económico, mostram que 8,1% dos clientes nesta faixa etária contraíram crédito com maturidade entre 37 e 40 anos em 2023. Portanto, acima do limite imposto, ainda que represente uma redução face aos 41,7% observados no ano anterior.
O mesmo acontece com alguns mutuários com mais de 35 anos. Os números do Banco de Portugal revelam que 2,4% contrataram empréstimos com maturidade entre os 35 e os 37 anos, quando o limite imposto pelo regulador é de até 35 anos. Há ainda uma pequena percentagem (0,1%) de clientes bancários que contraíram crédito à habitação com maturidade entre 37 e 40 anos.
“As ultrapassagens ainda observadas refletem maioritariamente novas operações de crédito concedidas nos limiares dos intervalos de idades dos mutuários e centram-se em mutuários com idades compreendidas entre 30 e 35 anos”, justifica o Banco de Portugal no relatório. São situações em que apesar do mutuário ter idade civil que permite um prazo mais dilatado de financiamento, a idade fiscal, que aumenta logo a 1 de janeiro, independentemente da data de aniversário, acaba por ditar um prazo máximo de crédito menor, com os bancos a considerarem a opção mais favorável para o cliente.
O sector financeiro garante que estes casos não representam um motivo de preocupação. “O relatório do Banco de Portugal é muito claro sobre a questão das maturidades máximas, salientando ‘[o] cumprimento quase generalizado por parte das instituições da convergência da maturidade média para 30 anos’ e que se verificou ‘a redução para valores imateriais das ultrapassagens dos limites máximos por escalão de idade dos mutuários’. Este é o aspecto que nos merece destaque, tanto mais que não foi assinalada qualquer preocupação especial nesta frente”, afirma fonte oficial da Associação Portuguesa de Bancos, liderada por Vítor Bento.
Jovens contratam com maturidades mais curtas
O aperto das regras dos prazos de financiamento foi implementado numa altura em que, depois de uma década de juros baixos ou mesmo negativos, as taxas dispararam. Atingiram máximos, dificultando o acesso das famílias ao crédito à habitação. Juntamente com os preços altos no mercado imobiliário, os jovens passaram a ser vistos como os mais penalizados por este contexto.
Aqueles que têm menos de 30 anos mantiveram a maturidade máxima até 40 anos. Os dados do Banco de Portugal mostram que a maioria (73,9%) dos que viram o financiamento aprovado tinham maturidade entre os 37 e 40 anos. Mas uma análise mais detalhada aos números do supervisor mostram que há uma percentagem (17,4%) de jovens nesta faixa etária que contraíram empréstimo para a compra de casa com um prazo inferior a 30 anos, bastante aquém do limite permitido. Esta proporção é mesmo mais do dobro do que se observou no ano anterior, a rondar os 8,7%.
Questionada sobre o que poderá justificar esta evolução, a APB diz apenas que os “casos assinalados terão certamente justificações específicas, quer dos mutuários, quer dos mutuantes envolvidos”. Entre as justificações plausíveis estão os rendimentos mais elevados, que permitem suportar uma prestação superior num menor prazo, ou a utilização de poupanças, próprias ou de família, que permite reduzir o montante solicitado de financiamento e, assim, suportar uma prestação inferior num prazo menor.