Muitos de nós pensamos que os temas do financiamento climático e sustentável é uma teima europeia, e que vamos perder competitividade porque mais nenhum outro continente está neste caminho.
Há quem veja os critérios ambientais associados ao “do no significant harm” como impeditivos de desenvolvimento económico, e como motivadores do aumento dos investimentos necessários à viabilidade do projeto, ou seja, como motivadores da diminuição da rentabilidade do mesmo.
Há quem argumente que se está a colocar o ónus da transição climática nos bancos, ao terem estes de reportar a percentagem de empréstimos que estão alinhados com a taxonomia, e à potencial discriminação ao nível de requisitos de capital que está a caminho.
Há aqueles que consideram que a taxonomia verde e de transição (esta última existe a nível europeu, mas parece que todos ignoram) constituem uma lista de critérios que os diretores financeiros terão de decifrar. Eu diria que, quem pensa assim, pensa mal!
O número de países africanos e europeus que têm uma estratégia de financiamento sustentável, e as suas próprias taxonomias de atividades verdes e em transição, é crescente. Alguns desses países são Gana, Ruanda, Singapura, Quénia, Nigéria, África do Sul e Geórgia. Em muitos deles, os bancos centrais emitiram recomendações para as instituições financeiras incorporarem os riscos climáticos e os riscos de ESG na sua estratégia, processos, gestão e indicadores de reporte, e estão a preparar-se para realizarem um piloto ao nível do teste de stresse climático.
Singapura lançou recentemente a primeira taxonomia de transição, onde a produção de eletricidade proveniente de combustíveis fósseis é considerada em transição deste que se verifiquem várias condições, uma delas a reconversão gradual das instalações para poderem passar a produzir hidrogénio, por exemplo. Ou seja, os investimentos nesta reconversão podem ser considerados investimentos de transição, o que poderá ser vantajoso para quem investe e para quem empresta capital.
Esta taxonomia também identifica quais são os critérios que se têm de verificar para que uma atividade seja considerada em transição até 2030, o que permite, quer às empresas quer aos bancos ter uma melhor perceção do real risco climático e ambiental da empresa. Uma empresa que esteja em transição para conseguir ser “verde” em 2030, terá obviamente menos riscos do que outra que não tenha qualquer atividade nesse sentido.
O Quénia lançou, em 2015, através da sua associação de bancos, os princípios e recomendações de financiamento sustentável. Esta semana, o Governador do Banco Central do Quénia anunciou que irá aumentar os requisitos de capital dos bancos, para incluir devidamente os riscos das alterações climáticas na política monetária e de supervisão. Os detalhes desta medida estarão em consulta pública dentro de um mês.
Esta decisão surge depois de, no ano passado, os testes de stresse climáticos terem indicado que o setor bancário estava vulnerável às alterações climáticas, nomeadamente, através dos riscos físicos que colocam grandes desafios à estabilidade dos bancos.
O Quénia está, também, a desenvolver a sua taxonomia verde. E o Ruanda é outro bom exemplo, tendo o seu Banco Central divulgado, em novembro de 2023, as linhas orientadoras para as instituições financeiras incluírem os riscos climáticos na sua gestão e análise de risco. Este país lançou, em 2022, o seu roteiro para o financiamento climático de 2022 a 2029, ambicionado ser um hub de financiamento sustentável em África.
Em Portugal, apenas em 2019 surgiu um consenso entre as instituições financeiras, reguladores, supervisores, associações e alguns ministérios, acerca do papel de cada agente para acelerar o financiamento sustentável com a publicação da “Carta de Compromisso para o Financiamento Sustentável”. Nesta data foi publicado, também, um documento com “Linhas Orientadoras para Acelerar o Financiamento Sustentável”, mas que pouco desenvolvimento teve.
Será que Portugal não poderia ser também um hub de financiamento sustentável na Europa? Será que não conseguimos ter uma ambição maior do que apenas gerir os dinheiros do PRR? Será que com o histórico que temos na mobilidade elétrica, energia renovável, construção sustentável, turismo, entre outros, não conseguimos atrair os investidores “verdes” que procuram projetos desta natureza?
Penso que conseguiríamos, sem dúvida. É preciso imaginar e fazer. Tal como alguns países africanos já fazem.