A economia portuguesa apresenta vários condicionalismos: o sistema fiscal, a alocação dos recursos públicos, o mercado laboral, o financiamento da economia e empresas com nível de escala muito baixos. Esta foi a principal ideia da intervenção de Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças na conferência “As Reformas do Estado”, organizado pelo Jornal Económico e pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, e que decorreu nesta quarta-feira, 1 de outubro, no Time Out Market, em Lisboa.
“Neste momento, os dois principais estrangulamentos que os empresários sentem são a falta de mão-de-obra – que pode ser equilibrada com emigração justa para construir um Portugal melhor – e a burocracia”, disse Joaquim Miranda Sarmento.
Ao alterar processos, continua o ministro, as regras continuarão a existir. “O que pretendemos é que a resposta seja rápida, não se prolongue durante anos e que haja certeza jurídica que, quando alguém pede autorização ao Estado, possa ter uma ideia do prazo e decisão final”. Para o governante, “se conseguirmos nos próximos dois anos mitigar estes dois estrangulamentos da competitividade da economia portuguesa, vamos ter um boom de produtividade e crescimento significativo”, sublinha.
Joaquim Miranda Sarmento destaca ainda o pipeline de investimentos, do Turismo aos Data Centers, que serão executados de forma mais célere, caso se resolvam os condicionalismos atuais. Outro dos pontos da intervenção do ministro foi a alocação de recursos, tendo um Estado com cinco mil entidades, 760 mil funcionários públicos, e que atinge um nível de despesas de 135 mil milhões de euros, consumindo 40% da riqueza gerada pelo País.
“Um dos pontos centrais da atuação do Governo é fazer uma reforma da gestão financeira do Estado. Estamos a modernizar do ponto de vista tecnológico e estamos a trabalhar na simplificação dos procedimentos. É uma reforma longa, mas absolutamente essencial. O País fez um grande esforço de modernização nos últimos 30 anos na sua área fiscal, que passou por diferentes governos. A Autoridade Tributária (AT) é o serviço que melhor funciona no Estado. É uma ilha de excelência e que deve ser potenciada para outras áreas”, afirma Joaquim Miranda Sarmento. Nesse sentido, o governante avisa que Portugal precisa de fazer do lado da despesa um esforço similar e com melhor alocação de recursos.
Miranda Sarmento sinaliza “o mínimo possível de alterações fiscais” no OE2026
Sobre o Orçamento do Estado para 2026, o ministro revelou que vai trazer alterações fiscais mínimas, entre as quais a prometida descida no IRS, assim como a atualização dos escalões do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).
“Durante muitos anos o Orçamento de Estado alterava os Códigos de uma forma muito significativa. Nos últimos anos isso não tem acontecido. No ano passado fizemos apenas alterações fiscais que decorriam do acordo de Concertação Social e este ano vamos procurar ter o mínimo possível de alterações fiscais, basicamente atualizar o artigo 68 do Código de IRS, os escalões, e atualizar os escalões do IMT“, explicou Joaquim Miranda Sarmento.
Em causa está a atualização do Código do IRS e a reformulação da tabela de IRS para consagrar o alívio fiscal extra do IRS acordado com o Chega que visa reduzir, adicionalmente, em 0,3 pontos percentuais as taxas marginais do 2.º ao 5.º. O segundo escalão passaria assim a ter uma taxa de 15,7%, o terceiro de 21,2%, o quarto de 24,1% e o quinto de 31,1%, a aplicar aos rendimentos ganhos pelos contribuintes ao longo de 2026.
Na conferência, o governante defendeu que “as alterações fiscais que têm de ir ao Parlamento devem seguir processos legislativos próprios para que o Parlamento possa discutir as opções fiscais e não misturadas no meio do Orçamento”, realçando que o Orçamento “deve ser apenas a tradução, do lado da receita e da despesa, daquilo que são as opções políticas que o Governo e o Parlamento tomam”.
Um metodologia, recorda, que foi seguida nas duas descidas do IRS, no ano passado e este ano e também na nova descida do IRC, que foi discutida e votada há duas semanas, bem como nas alterações aos impostos especiais sobre o consumo já efetuadas para transposição de diretivas; e também nas alterações ao IVA de Caixa que já chegou ao terreno para empresas com faturação até dois milhões anuais que passam a poder entregar o IVA ao Estado português apenas quando receberem o pagamento dos clientes, sendo que agora essa possibilidade só abrange quem tem um volume de negócios até aos 500 mil euros. E ainda nas alterações ao regime para grupos do IVA, permitindo a consolidação dos saldos do IVA a pagar ou recuperar por parte dos membros, a produzir efeitos a partir de julho de 2026
Defendendo ainda que o sistema fiscal e os impostos são fundamentais nas sociedades, o governante enumerou no final da sua intervenção os cinco principais aspetos do sistema fiscal que importa mitigar: a complexidade ao nível do IRS e IRC, redução da instabilidade, redução dos custos de cumprimentos das obrigações fiscais, redução das taxas marginais de IRS e IRC e melhorar a parte do contencioso tributário.
Recorde-se que a redução da taxa de IRC já foi aprovada no parlamento, na generalidade em 19 de setembro, antes do início do debate orçamental. Apesar de a discussão acontecer à margem, o impacto orçamental da medida, estimado entra na proposta do OE2026 que tem de ser entregue no Parlamento até ao dia 10 de outubro, estando a sua discussão na generalidade marcada para 27 e 28 de outubro e a votação final global para 27 de novembro.
Após uma descida do IRC este ano, de 21% para 20%, a taxa baixará para 19% no próximo ano. Para 2026, há ainda um desagravamento da taxa que se aplica às PME e às empresas de pequena e média capitalização nos primeiros 50.000 euros da matéria coletável de 16% para 15%.
No que diz respeito à perda de receita com iniciativas já tomadas na fiscalidade, o Governo antecipa arrecadar menos 736 milhões de euros por efeito do acordo com o Chega para nova descida de taxas de IRS (111 milhões de euros), da redução da taxa de IRC para 20% realizada em 2025 (300 milhões) e da atualização de dedução específica, escalões e mínimo de existência que foi feita também neste ano (325 milhões de euros).
Revisão da LEO só avança no próximo ano
Já a proposta de revisão da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) irá avançar apenas no início do próximo ano. “Vamos apresentar ao Parlamento no início do próximo ano uma revisão da Lei de Enquadramento Orçamental e vamos procurar simplificar todos os procedimentos de despesa para que os processos sejam mais céleres“, explicou o ministro.
Em setembro, o secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, José Maria Brandão de Brito, sinalizou o Governo iria entregar ao Parlamento a proposta de atualização da LEO apenas depois do OE2026. Uma revisão que chegou a estar prevista para o primeiro trimestre deste ano, mas ficou congelada com a queda do Governo. E que visa a melhoria dos processos e procedimentos orçamentais e o exercício de revisão de despesa pública.