As tropas ucranianas enfrentam uma corrida contra o tempo na defesa de Chasiv Yar, uma cidade a oeste de Bakhmut que tem sido dizimada por bombardeamentos russos há vários meses. A espera pela ajuda militar vinda dos EUA contrapõe-se à necessidade de travar o avanço de Moscovo numa localidade chave para a frente oriental, onde a Rússia tem vindo a ganhar terreno nas últimas semanas, mas crescem as dúvidas sobre o impacto real que terá este equipamento.
Imagens de satélite divulgadas esta quinta-feira mostram a extensão dos danos: de uma cidade de cerca de 12 mil pessoas, Chasiv Yar terá agora uma população inferior a mil habitantes, quase todos a viver abaixo do nível do solo, sendo difícil encontrar um único edifício intacto. Meses de bombardeamentos deixaram a cidade em ruínas, com a defesa ucraniana numa luta contra o tempo enquanto aguardam a chegada do desejado apoio norte-americano.
O major-general Carlos Branco, especialista militar, fala numa cidade “altamente fortificada […] numa zona elevada, uma posição extremamente dominante” onde as forças ucranianas levaram a cabo extensivos esforços de fortificação. Apesar disto, “descuraram a organização em profundidade”, o que torna esta a última fortificação antes de Pokrovsk, o principal hub logístico ucraniano na região ocidental do oblast de Donetsk.
Tal significa possíveis “danos tremendos à capacidade operacional” ucraniana, expondo ainda Kramatorsk às forças de Moscovo. “Conquistadas estas povoações, fica campo aberto para os russos até ao rio Dniepre”, argumenta.
A importância estratégica da pequena cidade é assim evidente. As forças de Kiev estão a tentar compensar estas fragilidades com linhas defensivas à volta das maiores cidades da região, mas a pressão está a crescer. Os ganhos territoriais russos nas últimas semanas têm sido assinaláveis, mas, para Carlos Branco, tal não é determinante.
“Os russos têm-se preocupado com destruir a capacidade de apoio ao esforço militar com ataques sobretudo à retaguarda”, ou seja, às unidades de artilharia ou antiaéreas e à rede elétrica (focando-se nas centrais, por oposição aos ataques do ano passado à distribuição). Como tal, a capacidade industrial militar ucraniana foi fortemente afetada.
A acrescer a isto, os problemas de recursos humanos começam a ser cada vez mais evidentes dos dois lados. No caso da Ucrânia, a lei de mobilização espelha precisamente isso, mas, no que respeita ao material em trânsito para o país, Carlos Branco antecipa que esta nova leva, tal como as anteriores, “não vai provocar alteração na situação estratégica”.
“Este equipamento não vai alterar o rumo dos acontecimentos. Poderá atrasar e prolongar os combates, mas não vai alterar a situação”, argumenta, lembrando “o flop” de remessas anteriores, nomeadamente dos tanques Abrams, das munições GDLBS ou das baterias antiaéreas Patriot. “Muito do equipamento nem vai chegar à linha da frente, vai ser destruído antes”, acrescenta.
O mais recente pacote aprovado pelo Congresso norte-americano após uma intensa discussão interna fala em 61 mil milhões de dólares (56,9 mil milhões de euros) em equipamento, que incluiria munições e defesas aéreas que Kiev há tanto tempo vinha pedindo. No entanto, Carlos Branco ressalva que mais de metade dos fundos não terão impacto direto na frente de batalha.
“Houve 24 mil milhões de dólares para o complexo industrial norte-americano repor stocks e outros 9 a 10 mil milhões são para manter o Estado e financiar o orçamento pelo menos até às eleições nos EUA”, destaca, falando em cerca de 13 mil milhões de dólares para as forças armadas de Kiev. Destes, cerca de 6 mil milhões destina-se a equipamento “que já nem se produz, ainda tem de ser fabricado”.