Está decidido. Ricardo Salgado, histórico presidente do Banco Espírito Santo, vai a julgamento por 65 crimes no âmbito do mega-processo "Universo Espírito Santo". A decisão instrutória ocorre nove anos depois da queda do BES e três anos depois da acusação do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) que defende a tese que Ricardo Salgado foi o arquiteto de um plano deliberado (que começou em 2009) para esconder a falência do Grupo Espírito Santo. O julgamento esse deve começar já no próximo ano.
O ex-banqueiro vai a julgamento nos "exatos termos da acusação" deduzida há três anos pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal do Ministério Público. A decisão instrutória do processo "Universo Espírito Santo" foi resumida ao início da tarde desta segunda-feira pelo juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Pedro Santos Correia, no Campus da Justiça, em Lisboa.
O ex-banqueiro não se livra assim de responder em Tribunal por 65 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documentos, burla qualificada, branqueamento de capitais, infidelidade e manipulação de mercado. Isto apesar de ter sido tentado pela defesa do ex-presidente do BES que o facto de lhe ter sido diagnosticada a doença de Alzheimer o salvasse do julgamento. Veremos se o salvará da prisão.
Em detalhe, o juiz de instrução criminal entendeu que Ricardo Salgado deve ser julgado por um crime de associação criminosa, 29 crimes de burla qualificada, 12 de corrupção activa no sector privado, sete de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documento, cinco de infidelidade e dois crimes de manipulação de mercado.
Dos 25 arguidos do processos, há seis que não irão a julgamento.
O juiz validou quase na íntegra os crimes pelos quais os arguidos estavam acusados desde Julho de 2020, introduziu apenas algumas alterações, deixando cair alguns crimes de infidelidade em relação a três arguidos, "por prescrição e lapso da acusação", e deixou de fora o arguido José Manuel Espírito Santo, que morreu entretanto. O antigo administrador do GES, morreu em Fevereiro passado, extinguindo-se assim a sua responsabilidade penal.
Também João Alexandre Silva que foi diretor geral da Sucursal Financeira Exterior (SFE) do Funchal do BES, na Zona Franca da Madeira, que estava acusado por dois crimes de falsificação de documentos, não vai a julgamento por o juiz considerar que o gestor bancário não tinha sido devidamente confrontado com os factos antes de ser acusado.
Há quatro das sete sociedades acusadas (a Espírito Santo International, Espírito Santo Tourism Europe, Espírito Santo Resources Limited e Espírito Santo Resources Portugal) que ficaram logo afastadas do julgamento por o anterior juiz de instrução, Ivo Rosa, ter considerado que, por problemas nas respectivas representações legais, a acusação era nula.
Pedro Costa, ex-administrador da ESAF e ex-director na área de desintermediação e na área de crédito do BES Vida, que estava acusado de nove crimes, viu três crimes de infidelidade caírem por prescrição.
Aconteceu o mesmo à arguida Cláudia Boal Faria que foi directora-adjunta do Departamento Financeiro de Mercados e Estudos e que em 2013 assumiu a direção do Departamento de Gestão de Poupança. Estava acusada de seis crimes, incluindo associação criminosa e corrupção passiva no sector privado, viu agora o rol reduzido em um crime de infidelidade, que caiu também por prescrição.
Caiu a acusação a António Soares pelo crime de infidelidade e falsificação de documentos, segundo a pronúncia instrutória. Estava acusado por 17 crimes, no total, e por isso vai responder por 15 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção passiva, burla qualificada (seis) e manipulação de mercado. Também Isabel Almeida, antiga directora do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) do Banco Espírito Santo (BES), viu cair o crime de infelidade. Nos dois casos por, segundo o juiz Pedro Santos Correia, lapso da acusação.
Segundo o Observador, o tribunal decidiu ainda optar pela não pronúncia de Frederico Ferreira, Maria Beatriz, Luís Miguel Neves e Rui Jorge pelos crimes de abuso de confiança, burla qualificada e infidelidade.
Paulo Monteiro, ex-gestor do BES, foi constituído arguido depois da acusação do MP, mas o Tribunal de Instrução Criminal decidiu não pronunciar este arguido pelo crime de burla qualificada.
Ao início desta tarde, o juiz responsável pelo processo tinha começado por suspender a sessão para verificar a eventual falha de notificação do arguido Alexandre Cadosh. Mas optou por prosseguir, depois, com a leitura da decisão instrutória do processo BES/GES, por considerar que não estão postos em causa os direitos dos arguidos não notificados e "por haver outros interesses e direitos em questão"
Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros. A acusação de 3.552 folhas é assinada por sete procuradores.
O MP diz que o plano para esconder a falência do Grupo Espírito Santo foi posto em prática desde 2009 até 2014 e que para o concretizar o banqueiro terá “corrompido” um grupo de administradores e outros trabalhadores do banco. Ao todo, a acusação identifica cerca de 50 pessoas alegadamente “corrompidas”, entre eles estão três pessoas importantes em todo este processo, o ex-CFO, Amílcar Morais Pires, o ex-administrador e primo de Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo e a diretora Isabel Almeida.
O MP detecta o rasto do dinheiro que terá sido pago aos seus “cúmplices”, em quatro sociedades offshore: A Espírito Santo Enterprises (conhecida como saco azul do BES); a Clauster; a Alpha Management e a Balenbrook.