A tendência de maior sustentabilidade na mobilidade verificava-se já antes da pandemia, mas as restrições e as alterações à vida urbana causadas pela Covid-19 aceleraram este fenómeno, assim como a agenda da Comissão Europeia de transformação para uma economia ambientalmente responsável. A EY-Parthenon abordou este assunto no estudo do seu grupo de trabalho Future of Mobility e, ressalvando o impacto positivo de vários projetos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) nacional, defende medidas mais profundas e abrangentes, tanto ao nível fiscal como da organização das cidades.
Apesar da adoção crescente de soluções de mobilidade suave e do crescimento do mercado de automóveis elétricos na Europa, a pandemia veio, como na grande generalidade dos sectores, alterar a trajetória deste fenómeno. Por um lado, a necessidade de deslocação caiu a pique, ao mesmo tempo que os transportes públicos se tornaram num foco de preocupação, pela possibilidade de contágios. Por outro, o objetivo de neutralidade carbónica e transição energética foi tornado mais difícil pela queda recente da economia europeia, que dificulta os investimentos necessários para esta agenda.
Parte da resposta a esta quebra económica passará, no entanto, pela transição energética, com o PRR apresentado pela Comissão Europeia a colocá-la como um dos motores da economia do futuro pós-pandemia. Miguel Cardoso Pinto, líder da EY-Parthenon, realça, em declarações ao JE, que o propósito de dissociar o crescimento económico da exploração de recursos naturais obrigará a uma coordenação entre todos os Estados-membros e ao fomento do papel do sector privado.
“A principal dificuldade será converter um plano geral e genérico em iniciativas concretas que os governos consigam implementar. O sector privado terá um papel crítico de facilitador, nomeadamente através de decisões de investimento baseadas em critérios ESG, limitando o investimento em indústrias mais poluentes, e contribuindo para mudar a opinião pública, desenvolvendo novas soluções mais sustentáveis e aproximando-se das comunidades locais”, argumenta.
Tal não invalida que vários projetos públicos sejam relevantes e úteis, esclarece. Iniciativas como a expansão da rede do Metro de Lisboa (linha vermelha até Alcântara) e Porto (Casa da Música-Santo Ovídio), o Metro de Superfície Odivelas-Loures e a Linha BRT (Bus Rapid Transit) Boavista-Império irão contribuir, por si só, para a melhoria do sistema de transportes públicos”. A estas junta-se a aquisição de 145 autocarros para a capital e para a Invicta.
Mas nem só de transportes públicos se poderá fazer a mobilidade do futuro, especialmente dada a crescente preferência, face ao perigo de infeção por Covid-19, pelo meio de transporte individual. Aqui entra o conceito de intermodalidade, em que os tradicionais autocarros, metro e elétrico são conjugados com soluções de car sharing e mobilidade suave.
No entanto, duas dimensões parecem ter ficado esquecidas: o investimento na rede de ciclovias e a renovação da ferrovia. Estas seriam fundamentais para, por exemplo, conceitos como a “cidade 15 minutos”, onde os cidadãos devem ter acesso garantido a todos os serviços essenciais a uma distância de 15 minutos a pé ou de bicicleta, explica Miguel Cardoso Pinto.
“Um dos pontos críticos é a multifuncionalidade dos espaços urbanos”, refere, lembrando iniciativas como os “‘superblocks’ em Barcelona, ou ‘A Rua é Sua’ em Lisboa”, dois programas municipais de restrições ao trânsito que libertam espaço urbano para outras atividades de lazer ou comércio.