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Mercados apostam cada vez mais em cortes dos juros na zona euro e EUA até à primavera de 2024

A quebra da atividade na Europa e o recuo da inflação inclinam cada vez mais os investidores para cortes de juros em ambos os lados do Atlântico, mas a incerteza sobre quando arrancarão é ainda grande. Analistas dividem-se, esperando um abrandamento mais significativo à medida que aperto monetário se materializa na economia real, as alertando para efeitos base no recuo da inflação este ano.

O recuo notório da inflação na zona euro e a recessão técnica em que o bloco entrou colocam o mercado a apostar cada vez mais numa reversão da política monetária já na primeira metade de 2024, embora as previsões ainda apresentem bastante variação e sublinhem repetidamente a incerteza em torno da economia global. O caso nos EUA é ainda mais incerto, dado que a atividade não mostra os mesmos sinais de fraqueza verificados na Europa, mas os investidores inclinam-se cada vez mais para cortes de juros na primavera do próximo ano.

Tanto o Banco Central Europeu (BCE), como a Reserva Federal norte-americana têm mantido discursos razoavelmente agressivos quanto à possibilidade de cortes de juros nos próximos meses, sinalizando que a inflação subjacente continua a preocupar e que a incerteza se mantém demasiado elevada para se poder cantar vitória face à inflação elevada registada nos últimos dois anos. Ainda assim, o indicador tem recuado a olhos vistos, dando margem a analistas e investidores para apostarem num corte de juros em breve.

A Pantheon Macro aponta mesmo às palavras de Isabel Schnabel, um dos membros mais hawkish do comité de política monetária do BCE, à ‘Reuters’ em que citou Keynes, argumentando que “quando os factos mudam, eu mudo de opinião” para espelhar a tendência no seio do banco central para começar a considerar reversões da escalada de juros. Na mesma linha, o think-tank britânico antecipa que a reunião da próxima semana confirme um pivot nas taxas diretoras, face a evidência clara e crescente de que a inflação está em queda.

“Isto significa que estamos a olhar para cinco cortes no próximo ano: março, abril, junho, julho e setembro”, explana a nota, embora admitindo que a previsão para março é “arriscada”.

O mercado parece assim cada vez mais seguro de que o segundo trimestre de 2024 trará o início do alívio monetário, como sinaliza a Generali Investments. Mauro Valle, o responsável pela unidade de Fixed Income da seguradora, destaca que “o ciclo de subidas está finalizado e o foco está colocado no timing do primeiro corte”, embora vendo um “cenário misto: os dados macro são fracos, mas não tão fracos que deixem antever uma recessão, a tendência de desinflação é suportada por efeitos base e os discursos de responsáveis de bancos centrais têm sido contrastantes”.

“Nesta altura, as taxas parecem mais sensíveis a boas notícias do que a más”, resume.

Também a Capital Economics antecipa cortes no próximo ano, embora apenas na segunda metade de 2024, a começar em setembro. Em conversa com o JE, Beatriz Cortez de Lobão, responsável pela unidade de research para Portugal da Arcano Partners, também coloca de lado descidas dos juros no primeiro semestre, mas projeta que o BCE comece na segunda metade do ano a “cortar pouco a pouco, para sentir as expectativas dos consumidores e dos mercados”.

“O BCE não vai cantar grandes vitórias cedo demais. […] Dependemos sempre do que os mercados acham. O BCE não é propriamente isolado do resto, por isso, por muito que digam umas palavras, acaba por ser um bocadinho dependente do que os mercados pedem. Se declaram o fim da inflação, o BCE irá fazer o que os mercados lhe dizem”, resume a economista.

Nos EUA, a incerteza é ainda maior: o processo desinflacionário está em pleno curso, com o indicador de preços a recuar a olhos vistos, mas a atividade continua resistente, evitando uma recessão – pelo menos por enquanto. A grande questão será, portanto, se se confirma a ‘aterragem suave’ almejada pela Fed e, em caso afirmativo, quando começarão as taxas a baixar novamente.

Olhando para os principais bancos de investimento norte-americanos, a hipótese de uma recessão não está fora da mesa. O Goldman Sachs parece o mais otimista, vendo um risco “limitado” de recessão, ao passo que o JPMorgan avisa que o risco é real. Já o Deutsche Bank projeta uma recessão “leve” no primeiro semestre, enquanto o levantamento feito pela Reuters antecipa 1,2% de avanço na totalidade do próximo ano.

A verdade é que, olhando para o mercado de futuros, março trará já cortes. A FedWatch Tool do CME Group atribui 54,1% de probabilidade a um corte de 25 pontos base na segunda reunião do ano; na seguinte, a realizar em maio, os investidores estimam uma probabilidade de apenas 10,5% de os juros se manterem no atual nível.

As implicações de uma recessão nos EUA são, contudo, globais. Caso se materialize este cenário, a zona euro deverá ver um abrandamento ainda mais pronunciado, pressionando o BCE para aliviar a política monetária face às dificuldades na economia real.