Em que condições de recursos humanos é que os serviços de registo e notariado se encontram neste momento?
A falta de recursos humanos traduz-se na falta de 1933 profissionais, dos quais 242 Conservadores de Registos e 1691 Oficiais de Registos, que correspondem a 34,05% do efetivo necessário, o que causa óbvios prejuízos para os cidadãos e as empresas, que esperam e desesperam para serem atendidos. Este défice, que urge preencher, agrava-se todos os meses pela aposentação, em média, de 20/25 profissionais, o que fará com que cada vez haja menos capacidade de resposta. Nos próximos 5 anos, este número aumentará exponencialmente, e aposentam-se perto de 70% do atual efetivo, o que corresponde a 2.751 profissionais.
Os anunciados concursos para recrutamento externo de 50 Conservadores de Registos e de 240 Oficiais de Registos, quando terminarem, terão um efeito nulo, uma vez que, entretanto, já se aposentaram mais profissionais do que os novos que entrarão.
Note-se que desde 2016, em particular, que se começou a sentir a necessidade de começar a planear o recrutamento de novos Conservadores de Registos e Oficiais de Registos, tendo em conta o facto de serem as carreiras mais envelhecidas de toda a administração pública, atualmente com uma média de 60 anos de idade, bem como ser imperioso criar condições que permitisse a transmissão do conhecimento intergeracional, evitando-se, assim, que se perdesse conhecimento especializado adquirido ao longo de uma vida.
No entanto, durante sete anos nada foi efetuado e, atualmente estão em falta 234 Conservadores de Registos e 1522 Oficiais de Registos, o que levará, a muito breve trecho, ao encerramento de mais Conservatórias, fenómeno que já se verificou e se vai verificando em alguns concelhos, o que tem levado a que diversos autarcas se tenham já manifestado a esse respeito. Esta falha de Conservadores de Registos e de Oficiais de Registos tem sobrecarregado em demasia e levado ao limite da exaustão aqueles que vão ficando e a escassez de Conservadores de Registos e de Oficiais de Registos compromete a eficiência e a qualidade dos serviços prestados, afetando diretamente os cidadãos e as empresas que deles dependem.
Quais são as condições de trabalho em que estes profissionais se encontram?
Há violações grosseiras da legislação relativa à segurança, higiene e saúde no trabalho sendo o Estado o primeiro a não cumprir o que exige aos privados, demonstrando um total desrespeito para com os utentes e os trabalhadores. A maior parte das instalações não tem, assim, condições para atender os cidadãos com privacidade, segurança e comodidade, e os problemas existentes, no seu conjunto, aumentam consideravelmente os níveis de stress e de ansiedade, criando ambientes verdadeiramente tóxicos, o que tem forte impacto na saúde mental e física dos profissionais, cuja média de idade está nos 60 anos, o que agrava, consideravelmente, esta infeliz e triste realidade. Acresce ainda que as instalações são inadequadas para o desempenho das funções, não existe medicina do trabalho para todos os profissionais, pois apenas 1/5 dos trabalhadores tiveram as respetivas consultas, não existe uma verdadeira política de SHST, que permita prevenir o aparecimento de novas patologias, bem como identificar e tratar as diversas patologias já existentes de modo a que estas não se agravem, a esmagadora maioria dos trabalhadores está em burnout atendendo à pressão causada, desde logo, pelo conjunto dos problemas, dos quais se destacam a falta de condições das instalações, de materiais e de recursos humanos, bem como o não reconhecimento dos seus mais elementares direitos, o estado de saúde geral e o ânimo dos Conservadores de Registos e dos Oficiais de Registo estão a ser, diariamente, cada vez mais destruídos e o absentismo começa a aumentar como reflexo destas realidades.
Para além das condições das instalações, os computadores que são disponibilizados a estes trabalhadores têm mais de 18 anos e usam sistemas operativos sem suporte, atualizaram agora o Windows XP para o Windows 7, quando já o Windows 8 tem suporte. Os sistemas informáticos de suporte aos registos são jurássicos e necessitam de ser substituídos por novos que correspondam às necessidades dos seus utilizadores externos e internos.
Como se encontram as carreiras destes profissionais?
O direito a uma remuneração justa e adequada relativamente às funções exercidas e às responsabilidades assumidas, bem como o direito à carreira são direitos fundamentais de qualquer trabalhador, que não foram respeitados, violando-se assim o princípio da proteção da confiança que todos depositam num Estado de direito. Os Conservadores de Registos e os Oficiais de Registos viram as suas carreiras serem totalmente alteradas, por um lado, ao terem suprimido alguns dos seus direitos relativamente à progressão na carreira, e por outro lado, pelo aumento brutal de deveres em resultado das reformas legislativas que têm transferido para a área regista atividades pertencentes a outros sectores, tais como a competência exclusiva para a tramitação de processos de jurisdição voluntária anteriormente da competência dos tribunais. Tudo isto foi efetuado sem que tenha sido feita uma alteração legislativa do sistema remuneratório justa e equilibrada, conforme já o reconheceu a Provedora de Justiça, a qual após reunião com o nosso Sindicato, remeteu a comunicação, em anexo, ao anterior Governo, a qual ainda não produziu nenhuma alteração.
As medidas do OE2024 para este sector ficam aquém das expectativas?
Ficam totalmente aquém das expectativas uma vez que não há uma única referência, nem verba, para poder resolver os graves problemas de que o sector dos Registos padece.
Falamos de problemas estruturais que têm um forte impacto na qualidade e na celeridade da prestação de serviços aos cidadãos e às empresas.
Quais as principais reivindicações perante este orçamento?
Entendemos que este Orçamento devia prever já o início da resolução dos problemas supra referidos. No entanto, destacaria o facto do Governo ser o primeiro a dar um mau exemplo que se traduz no não cumprimento da lei.
Assim, é prioritário que o Governo garanta a todos os cidadãos os direitos que lhes assistem, nomeadamente, serem atendidos com privacidade em instalações com o mínimo de dignidade, e terem acesso a serviços essenciais em tempo útil, bem como, reconheça os direitos dos trabalhadores que estão previstos na lei.
Quais os principais pontos que o sindicato salienta da audição à ministra da Justiça, realizada em novembro?
Nada há nada de positivo a salientar. O destaque foi para a forma coerente como desrespeitam os direitos dos cidadãos e desprezam os direitos dos trabalhadores que tutelam. Continuam num caminho em que apenas se ouvem a si mesmos, ou seja, não dão a mínima importância aos sucessivos alertas que várias entidades vêm fazendo, nomeadamente as demais Bancadas Parlamentares e até mesmo, pasme-se, a Sra. Provedora de Justiça.
Acresce que, propositadamente, não responderam às perguntas incómodas que lhes foram efetuadas pelas diversas Bancadas Parlamentares.
A título de exemplo, destacaria o facto do Secretário de Estado da Justiça referir no seu discurso que o Governo fez um investimento que resultou num pagamento que levou à progressão de alguns trabalhadores, esquecendo-se de dizer que este pagamento era relativo a valores que estes trabalhadores tinham direito desde 01/01/2021 e apenas lhes foram pagos em dezembro de 2022, ou seja, 2 anos depois sem sequer terem pago juros de mora, como era devido.
Foi com esta imoralidade que a Ministra da Justiça e o Secretário de Estado da Justiça estiveram na audição, ou seja, os trabalhadores têm um direito que se efetivou em 01/01/2021, o Governo não o respeitou, violando a lei, demorando 2 anos para o reconhecer. Não se bastando ao facto de terem pago “tarde e a más horas” ainda tiveram a indecência de se vangloriarem disso.
Caso não exista um compromisso por parte do governo para ir de encontro com as necessidades do sector o que se pode esperar no futuro para este sector? Nomeadamente, no que toca ao atendimento ao público.
É fundamental que o Governo adote, imediatamente, medidas para resolver os problemas mais urgentes que o Setor dos Registos atravessa e a que nos temos vindo a referir.
Obviamente o impacto nas diversas tipologias de atendimento ao público será enorme e levará ao encerramento de muitas mais conservatórias, e ao atraso generalizado por períodos mais alargados de tempo.
O risco se nada for efetuado é que a trajetória de degradação bastante acentuada em que o Setor dos Registos se encontra já, entre num patamar de declínio tal que depois seja muito difícil de recuperar, colocando em crise a certeza e segurança jurídica, o que abalará a confiança que o sector assegura à sociedade e consequentemente, se traduzirá num impacto muito negativo para a segurança do comércio jurídico, na dinamização da própria economia, para a paz social e a coesão territorial. Chegados a este nível fica em crise o próprio modelo de sociedade em que vivemos.
Podemos esperar novas greves?
A greve é o último reduto de luta dos trabalhadores pelo que nunca pode estar afastada em nenhum cenário, especialmente, quando estão em causa os graves problemas de que o Setor dos Registos padece e que podem vir a ter consequências bastante nefastas e gravosas para toda a sociedade.
Obviamente, com o sentido de responsabilidade que nos caracteriza não pretendíamos agravar a situação, já de si muito má, lesando ainda mais os cidadãos e as empresas e enveredar pelo caminho da greve.
Os problemas existentes são por demais evidentes e estão à vista, diariamente, de todos pelo que entendemos que o Governo e o STRN, enquanto parceiro social que representa 90% da totalidade dos trabalhadores do setor, têm a obrigação, em nome do interesse público, de alcançar soluções de compromisso que se devem dividir, em soluções de cumprimento no imediato, no curto e no médio prazo. O STRN sempre esteve, e está, disponível para gerar consensos.
No entanto, se o Secretário de Estado da Justiça continuar a ignorar os nossos pedidos de audiência, seremos obrigados a recorrer à greve, cujas consequências lesivas dos interesses dos cidadãos e das empresas serão da sua exclusiva responsabilidade.
Em regra, as “maiorias absolutas” geram alguns Governantes com tiques de “totalitarismo”, o que esperamos não aconteça com o Secretário de Estado da Justiça, que teve, e ainda tem, uma excelente oportunidade para agir e tomar decisões de cariz reformista que resolvam os problemas do Setor dos Registos, indo assim, ao encontro do que é necessário efetuar para assegurar as liberdades e garantias de todos os cidadãos.Qual é o investimento que seria necessário o Governo fazer para que o sector dos notários voltasse a estar a 100%?
O Sector dos Registos (não dos Notários) é totalmente autossuficiente e ainda financia, com as taxas que arrecada, cerca de 70% de todo o funcionamento do Ministério da Justiça, sendo que este desvio de verbas é efetuado em prejuízo do próprio Setor, bem como dos cidadãos e das empresas que as suportam.
Para iniciar a recuperação deste tão importante setor de atividade, bastaria afetar, anualmente, apenas 10% da receita arrecadada para que todos os problemas do Setor dos Registos se resolvessem e, consequentemente, este conseguisse servir bem os cidadãos e as empresas, prestando-lhe serviços públicos essenciais de excelência, em tempo útil.
Note-se que são os cidadãos e as empresas utentes dos Serviços de Registos que pagam as taxas de registo que são arrecadas e têm, por isso, no mínimo, o direito de poderem aceder a serviços públicos essenciais em tempo útil.