Houve uns “poucos” membros do Conselho do Banco Central Europeu (BCE) que defenderam o arranque do corte das taxas de juros já na reunião de abril. Mas uma “larga maioria” defendeu a manutenção das taxas em máximos históricos por mais algumas semanas. No final, houve consenso na decisão.
Foi a quinta reunião consecutiva sem mexidas e a mensagem para os mercados, cidadãos e empresas da zona euro foi clara: voltamos a falar em junho. A reunião tem lugar antes do início do verão, mas os efeitos de um eventual corte farão sentir-se já a época estival foi inaugurada.
Nesta quinta-feira houve uma frase que foi chave. Saiu em comunicado e depois foi repetida por Christine Lagarde: “Se a avaliação atualizada do Conselho sobre a perspetiva da inflação, as dinâmicas da inflação subjacente e a força da transmissão da política monetária, aumentarem a confiança de que a inflação está a convergir para a meta de forma ordeira, seria apropriado reduzir o nível atual de restrição da política monetária”.
“É uma avaliação clara. É uma frase importante porque descreve as mecânicas que melhor clarificam o processo. Em junho, sabemos que vamos ter muito mais dados e informação e vamos ter uma nova projeção. Estamos dependentes de dados e vamos olhar para toda esta informação, para determinar se tudo isso confirma a nossa esperança que a inflação regresse à meta de forma sustentada”, acrescentou.
E deixou uma frase de esperança para os mais impacientes: “não vamos esperar que tudo recue para os 2% para tomar as decisões que vão ser necessárias”, afirmou, referindo-se à meta da inflação.
Mas há mais. A presidente do BCE rejeitou a hipótese de que está à espera de qualquer decisão por parte da Reserva Federal norte-americana.
“Não podemos tirar conclusões baseadas na ideia de que as duas inflações são as mesmas, não são. Estamos dependentes de dados, não dependentes da Fed”, garantiu.
De seguida, o euro caiu para o seu nível mais baixo desde fevereiro: 1,0715 dólares.
As taxas de juro de referência mantiveram-se assim nos mesmos níveis: taxa sobre as operações principais de refinanciamento (4,5%), taxa de cedência de liquidez (4,75%) e taxa de depósitos (4%).
Analisando a decisão, David Brito da Ebury destaca que “o BCE continuou a direcionar gentilmente os mercados para um corte na taxa de juros em junho. Não houve orientação explícita futura nem na declaração nem na conferência de imprensa da presidente Lagarde, embora a primeira tenha sugerido que os cortes são viáveis se a inflação na zona euro continuar na sua trajetória atual”.
“De facto, Lagarde limitou-se a seguir o guião, transmitindo um tom moderadamente ‘dovish’, sem fornecer pistas sobre o possível ritmo de flexibilização monetária”, salientou.
Já Ann-Katrin Petersen do BlackRock Investment Institute sublinhou que “ao contrário da Fed, o caso para um primeiro corte do BCE em junho foi reforçado. Mas o júri ainda terá de analisar o ritmo dos cortes seguintes. Os investidores devem ter este cenário em mente: os juros na zona euro vão manter-se mais elevados do que antes da pandemia. Este ciclo de cortes de taxas não vai ser tão profundo como os anteriores”.
Por sua vez, Marco Silva, consultor da ActivTrades, concluiu que “Lagarde não adiantou muito mais do que já tinha referido há uns dias, mantendo uma retórica de espera por mais dados económicos, nomeadamente os de junho, que incluem novas projeções elaboradas pelo BCE. Só com essa informação é que podem aferir se será oportuno haver um corte em junho. Tal como indicou na leitura do documento elaborado, não é, para já, garantida qualquer mexida nessa reunião, o que acaba por ser ligeiramente menos dovish”.
Já em relação à Fed, apontou que no outro lado do Atlântico é “quase certo de que a primeira mexida por parte de Jerome Powell e restantes colegas só deverá acontecer no final do ano”.
Os mercados descontam agora três cortes de 25 pontos base ainda este ano. A inflação na zona euro atingiu os 2,4% em março.
Um alívio nos juros seria bem recebido na zona euro, com um crescimento anímico em mais de um ano. Um novo aviso chegou esta semana: os empréstimos por parte de empresas sofreram uma queda no início deste ano.
No comunicado da decisão, o BCE destaca que a inflação “continuou a cair, alimentada por preços mais baixos na alimentação e bens. As medidas da inflação subjacente estão a aliviar, o crescimento dos salários está a moderar-se gradualmente, e as empresas estão a absorver parte do aumento dos custos laborais nos seus salários”.
No entanto, “as condições de financiamento continuam restritivas e os anteriores aumentos de taxas continuam a pesar na procura, o que ajuda na pressão baixista da inflação. Mas as pressões sobre os preços domésticos são fortes e estão a manter elevada a inflação dos serviços”.
O Conselho do BCE garante “estar determinado em assegurar que a inflação regressa à sua meta de 2% de forma ordeira. Considera que as taxas de referência estão em níveis que vão dar uma contribuição substancial para o processo em curso de desinflação. As decisões futuras do Conselho vão garantir que as taxas vão continuar suficientemente restritivas durante o tempo que for necessário”.
A instituição de Frankfurt avisa que o crescimento pode vir a ser “mais baixo” se os efeitos da política monetária “forem mais fortes do que o esperado”.
Uma “economia mundial mais fraca ou um maior abrandamento no comércio global também pesaria” no crescimento da zona euro.
A invasão russa da Ucrânia e o conflito no Médio Oriente são “grandes fontes da risco geopolítico”, que podem resultar em “empresas e famílias a ficarem menos confiantes sobre o futuro e o comércio global sofrer disrupções”.
Mas se a inflação descer mais rapidamente do que o esperado, o “crescimento pode vir a ser mais elevado do que o esperado”, com o aumento do rendimento real, ou se a economia mundial “crescer mais fortemente do que o esperado”.
Por outro lado, existem riscos altistas para a inflação: aumento das tensões geopolíticas no Médio Oriente que podem “aumentar os custos de energia e os fretes marítimos” e provocar “disrupções no comércio global”.
A inflação também pode ficar mais alta do que esperado se os salários aumentarem mais face ao previsto ou se as margens de lucro forem mais resilientes.
Em contraste, o BCE avisa que a inflação pode surpreender se a política monetária abrandar a procura mais do que o estimado, ou se o ambiente económico no resto do mundo piorar “inesperadamente”.