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João Rendeiro, o Great Gatsby da banca

A história de João de Oliveira Rendeiro mistura-se com a era do enriquecimento fácil do pós-adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE). Rendeiro passou de estrela cadente dos fundos de investimento, no fim dos anos 80, a banqueiro de fortunas em meados dos anos 90.

A história de João de Oliveira Rendeiro mistura-se com a era do enriquecimento fácil do pós-adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE). Rendeiro passou de estrela cadente dos fundos de investimento, no fim dos anos 80, a banqueiro de fortunas em meados dos anos 90. Conviveu com os então “novos banqueiros” do BCP e BPI e com os “velhos” banqueiros da aristocracia financeira – recém regressados do exílio – Espírito Santo e Champalimaud.

É impossível não comparar João Rendeiro à personagem de F. Scott Fitzgerald, Great Gatsby, que para ser amado por quem tinha sido rejeitado (neste caso uma mulher) se torna num bilionário que era aceite socialmente porque dava festas sumptuosas na sua mansão em Long Island. A fortuna de Gatsby é motivo de rumores e de troça, mas ninguém resistia às suas festas. O romance é uma sátira à superficialidade e futilidade da sociedade norte-americana, que viveu um nível sem precedentes de prosperidade na década de 1920.

João Rendeiro, tal como Gatsby, tinha na revolta o motor da sua ascensão, queria ser reconhecido como banqueiro, lugar que a sociedade parecia reservar apenas a Jorge Jardim Gonçalves, Artur Santos Silva, Fernando Ulrich, Ricardo Salgado e António Champalimaud.

Tal como Gatsby, a ascensão meteórica de Rendeiro acabou mal. A vaidade teve um papel no desfecho.

Descreve no seu livro “Em defesa da honra” o seu percurso e fala do “racismo social” de que foi vítima. Tal como a personagem de Fitzgerald, essa experiência criou-lhe fortes sentimentos de injustiça que o acompanharam ao longo da vida. E são esses sentimentos que estão muitas vezes na origem das decisões humanas.

A frieza, a inteligência rara, a destreza e a arrogância intelectual são traços da personalidade que é difícil não reconhecer em Rendeiro. Um autêntico génio gelado, como é descrito por quem o conhece.

João Rendeiro não dava festas sumptosas como Gatsby, mas criou a Ellipse Foundation, que era detida por si e pelo Banco Privado, entrando assim no clube dos banqueiros colecionadores de arte a que pertenceram os Medici, os Rockfeller e os Espírito Santo.

Deve, em parte, o seu desaire a uma tentativa de se tornar acionista de referência do maior banco privado português, o BCP, aproveitando a guerra de poder de 2007. Através da Privado Financeiras chegou a ter 3% do BCP, investindo, como sempre, o dinheiro do BPP, dos clientes e alavancando o investimento com dívida. O ex-presidente do BPP diz no livro, lançado este ano, que se arrependeu de não vender as ações do BCP. “Fomos comprando ações do BCP numa conta escrow, por conta de clientes, no quadro do BPP e financiado pelo banco”, chegou a explicar numa entrevista ao Jornal Económico, em abril deste ano.

Cresceu em Campo de Ourique, estudou nos Salesianos e nos liceus Pedro Nunes e D. João de Castro, licenciou-se em Economia no ISEG e doutorou-se em Economia na Universidade de Sussex (Reino Unido).

A vida financeira de João Rendeiro começou nos idos anos 80, com a gestora de fundos de investimento Gestifundo, que foi criada em 1986, em pleno boom da Bolsa de Valores de Lisboa, quando as pessoas se acotovelavam para comprar ações, e antes do crash na bolsa de Nova Iorque em 1987.

A 1 de Janeiro desse ano (1986), Portugal entrava na, então, CEE. A Constituição Portuguesa ainda não permitia as reprivatizações, mas já estava aberta à iniciativa privada, o que fez com que nascessem os bancos BCP e BPI e que alguns bancos estrangeiros criassem sucursais em Portugal. A bolsa estava na moda. Era uma época de Ofertas Públicas de Venda (IPO) e os bancos emprestavam dinheiro quase sem garantias, o que explica o excesso de liquidez que era canalizado para o mercado de capitais.

É nesta Lisboa contagiada pela euforia da bolsa, pelo fascínio de Wall Street e dos yuppies, que João Rendeiro salta para a ribalta. Foi a venda da sua gestora de fundos ao Banco Totta que o tornou milionário aos 30 anos. Rendeiro tinha investido 25 mil euros na Gestifundo e vendeu-a por 15 milhões. O Totta era então presidido por José Roquette, antes da chegada de António Champalimaud (que comprou o banco em 1995). Ao seu lado já estava a mulher Maria de Jesus Rendeiro. Estão juntos desde os 17 anos e são casados há 49 anos. Não tiveram filhos.

Depois de vender a Gestifundo ficou no Totta & Açores por cinco anos. Ainda antes de fundar o BPP, cria uma marca de água gaseificada, a Frize, que acabou por vender à Compal. Mas a banca sempre foi a sua paixão e a oportunidade surgiu com a compra da Incofina ao BCP.

O Banco Privado Português, criado por Rendeiro em 1996, tinha como acionistas Francisco Pinto Balsemão, Stefano Saviotti, a família Vaz Guedes (dona da Somague), a família Serrenho (dona da CIN) e a FLAD, entre outros. Era um banco vocacionado para a gestão de fortunas e tinha três mil clientes com um património médio de um milhão de euros. Este banco, que o tornou aceite pela elite portuguesa endinheirada, acabou por ser a sua maldição, quando, após a crise do Lehman Brothers, o BPP entra em colapso em dezembro de 2008. A falência viria a ser decretada em 2010.

João Rendeiro está condenado em três processos judiciais relacionados com o colapso do BPP por 16 crimes. A sua fuga, a 14 de setembro e a sua aparatosa detenção na manhã de 11 de dezembro, na África do Sul, tornou-o ironicamente mais célebre que o banqueiro, também acusado, Ricardo Salgado.

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