Wang Dong-Hyuk, o criador do “Squid Game”, a série com maior audiência da Netflix, disse há umas semanas o que lhe ia na alma: “Queria transmitir uma mensagem sobre o capitalismo moderno, e não apenas sobre a Coreia do Sul”. Vamos voltar atrás: neste drama distópico, uma misteriosa organização desafia 456 jogadores (todos bastante endividados) a competir em jogos infantis. O vencedor vai para casa con 33 milhões de euros. O perdedor receberá um tiro. Hwang inspirou-se em jogos de computador e, sobretudo, naqueles onde a sobrevivência é o mais importante.
Reconheceu-se neles porque, como diz, “todos estamos a lutar pelas nossas vidas numa realidade baseada na desigualdade”. Ou seja a tinta do entretenimento esconde a realidade onde a lula busca sobreviver.
Não deixa de ser curioso que “Squid Game” surja numa cultura periférica mas que, nos últimos anos, nos oferecu a K-pop ou um filme galardoado com um Óscar, “Parasitas”.
Os números são avassaladores: o sector do entretenimento sul-coreano (a que se junta a enorme área de jogos) teve receitas, em 2019, de 107 biliões de dólares. Não é um acaso: este sucesso demorou 20 anos a ser construído. O país deixou de ser apenas subcontratado: é um criador de conteúdos. O Governo apoiou a crescente proliferação de canais de televisão por cabo desde o início do século, criando uma infraestrutra de banda larga. E depois há o apoio, como atualmente, para criar plataformas globais de distribuição. Dentro de uma lógica de exportação de produtos, estes conteúdos estão disponíveis em todas as plataformas mundiais. Acessíveis mesmo a quem não sabe coreano. E a Netflix que se cuide: na Coreia do Sul as vozes já se elevam contra a margem do lucro que é dado às produtoras sul-coreanas (10 a 15%). Criando, produzindo e distribuindo, a conversa será outra.
Pergunta para o PRR: Portugal não poderia aprender algo aqui, sem se perder num jogo onde as lulas são sempre as mesmas?