Numa altura em que as sanções contra a Rússia estão no topo da agenda da União Europeia – que prepara o 19º pacote – e já estiveram (mas não se sabe se ainda estão) na dos Estados Unidos, a economia russa continua a apresentar sinais de resiliência que, podendo esconder males maiores que por aí veem, tem deixado os analistas económicos surpreendidos. O crescimento é evidentemente impulsionado pelos gastos militares, mas pela substituição de parceiros comerciais ocidentais por outros, como a China e a Índia – que têm sustentado o esforço de guerra. Mas esta é também uma caraterística que, a médio prazo, será perniciosa para a economia russa: o comércio com aqueles parceiros tem como base o petróleo bruto (cada vez mais importante em consequência dos ataques ucranianos às refinarias russas), os combustíveis e os seus derivados, que são vendidos a preço de saldo. A União Europeia não tem direito a este desconto de ‘amizade’ – o que implica uma situação complexa: o bloco ainda não deixou de comprar petróleo russo, contribuindo ainda mais para o financiamento da guerra, uma vez que não tem descontos.
Por outro lado, a Rússia enfrenta desafios significativos: inflação elevada, escassez de mão de obra – desviada para o esforço de guerra e o risco de estagnação a longo prazo devido ao foco no setor militar, à falta de investimento em setores civis e ao acesso reduzido à tecnologia ocidental. A inflação afetou o poder de compra e forçou o Banco Central da Rússia a aumentar as taxas de juros para um nível que desencoraja o investimento privado e dificulta o crescimento do setor não militar. Os setores automóvel, da construção e a siderurgia são, segundo os analistas, dos mais afetados. Além disso, o investimento estrangeiro desapareceu – e se isso, num primeiro momento depois do início da guerra, foi um fator positivo, dado que as empresas estrangeiras trataram de sair da Rússia a qualquer preço (sempre baixo), a inflação e o encolhimento do mercado interno deu cabo de negócios que pareciam aliciantes.
As sanções fazem, entretanto, o seu papel. São evidentemen te um obstáculo à transferência de tecnologia – impedindo a modernização da economia – capturaram os investimentos e depósitos mantidos pelos investidores russos fora das fronteiras, retiraram mercado às exportações e induziram uma acentuada míngua de divisas.
Para os analistas, as perspetivas a longo prazo são desfavoráveis: os especialistas adiantam um cenário de crescimento potencial mais lento e uma grande dificuldade em recuperar os níveis de rendimento pré-guerra.
Segundo o Trading Economics, o PIB russo expandiu 4,1% em 2024, a mesma taxa do ano anterior, com suporte do aumento dos gastos e do investimento no setor militar.
A Rússia aumentou os gastos estatais com a defesa nacional em um quarto, em 2025, para 6,3% do PIB, o nível mais alto desde a Guerra Fria. Os gastos com a defesa representam 32% do total das despesas do orçamento de 2025. Qualquer coisa como mais de 130 mil milhões de euros, cujo custo em espiral da guerra traz uma dor económica crescente para a Rússia.
O crescimento do PIB deverá atingir 1,5% no final de 2025 e não deverá ir além dos 1,2% no ano seguinte. Mas com o primeiro trimestre do ano em plena contração (o PIB contraiu 3,1% na base anualizada e 0,6% na trimestral), embora a previsão ainda seja positiva, tudo indica que a economia está a desacelerar rapidamente, numa altura em que a inflação atingiu os 8,8% em julho passado. Um dado que vale a pena reter: entre fevereiro de 2020, data da invasão da Ucrânia, e julho de 2025, a Rússia acumulou 915 mil milhões de dólares com a venda de petróleo, gás e carvão.
Mas as exportações de petróleo, gás e minerais já não são tábua de salvação suficiente. A escassez de mão de obra e as elevadas taxas de juro para combater a inflação, acelerada num contexto de despesas militares sem precedentes, estão a asfixiar as perspetivas económicas.
Reversão geopolítica
O governo russo tem, porém, tentado convencer os russos e o Ocidente de que a resistência da sua economia é, a todos os títulos, notável. No entanto, vai deixando evidências de que Vladimir Putin já percebeu que não pode continuar a arrastar uma economia de guerra . Aparentemente, a medida mais perene será a de insistir no desenvolvimento das relações económicas com a China, desde logo, mas com outros países que estão disponíveis para isso.
Esta semana, na cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), foi dado um sinal de viragem: uma nova ordem mundial da China ganha força com Rússia e Índia, após a escalada de tarifas impostas por Trump, que ameaça com taxas de 50% sobre produtos indianos em resposta à compra de petróleo russo pela Índia. Xi Jinping defende o multilateralismo contra tarifas dos EUA, propondo ampliar espaço para a cooperação asiática ganhar peso institucional, com reflexos diretos nas cadeias de energia e no comércio internacional. Putin apoia a nova ordem mundial da China e o interesse de novos países em aderir à organização mostra o potencial do bloco como alternativa às estruturas dominadas pelo Ocidente.antonio
Guerra deixa economia russa à beira do colapso
Raio x : Gastos com a defesa representam 32% do total das despesas do orçamento de 2025. São mais de 130 mil milhões de euros, cujo custo em espiral da guerra traz uma dor económica crescente para a Rússia, a somar à escassez de mão de obra. Tudo isto asfixia a economia.
