Ao ler um artigo sobre a Netflix, lembrei-me de abordar alguns aspetos menos habituais do seu governance. O cofundador Reed Hastings é um Presidente do Conselho de Administração (PCA) executivo. Não é habitual, acontecendo geralmente em casos em que o fundador da empresa deixa de ser CEO, mas quer manter uma influência na empresa, passando a ser PCA executivo.
As diferenças para o PCA não executivo podem ser resumidas a uma maior proximidade com os administradores executivos e alguma orientação no seu trabalho, assim como uma maior representação institucional principalmente a nível de presença nos media e eventos públicos.
Para além disso, quando Reed Hastings quis preparar a sua sucessão, queria deixar a empresa nas mãos de duas pessoas e, após refletir, considerou que a melhor opção era selecionar os dois e torná-los co-CEO.
Também é uma componente da corporate governance que não é habitual, mas também não é uma situação muito rara. Aliás, tivemos essa situação em Portugal, durante muitos anos, na Logoplaste, com Filipe de Botton e Alexandre Relvas.
Geralmente este modelo existe em empresas familiares, como uma forma de equilibrar o poder dos vários ramos da família. Mas, dado o crescente ritmo de mudança e disrupção, podemos esperar que mais empresas tentem usar este modelo de co-CEO. As empresas em setores muito dinâmicos, que exigem muita agilidade e capacidade de gestão de ambiguidades em setores “fluidos” podem adaptar-se melhor a este modelo, embora não seja o mais adequado a muitas situações, especialmente em setores mais maduros.
Esta estrutura de liderança partilhada pode, eventualmente, permitir uma capacidade de tomada de decisão mais eficiente, competências adicionais na gestão de topo e menor risco de burnout dos CEO, mas também maior risco de falhar.
Para diminuir o risco de falhar, e de acordo com o artigo da Harvard Business Review (“Is It Time to Consider Co-CEOs?” de Feigen, Jenkins, and Warendh, 2022), existem aspetos que são fundamentais para o sucesso deste modelo. Primeiro, os co-CEO devem ter conjuntos de competências e conhecimentos complementares, já que não faz sentido ter dois líderes executivos semelhantes que se sobrepõem.
Além disso, os dois devem estar dispostos a participar neste modelo e estar cientes dos riscos em que estão a incorrer.
O principal risco é o conflito e a desunião no topo. Consequentemente, devem existir responsabilidades e direitos de decisão claros, bem como mecanismos de resolução de conflitos. Por exemplo, os co-CEO podem discordar abertamente um do outro, mas devem encontrar uma maneira de deixar um ganhar o debate se não chegarem a acordo, ou pedir a um PCA forte para os ajudar a resolver divergências e manter o foco.
Isso é fundamental, pois deve haver uma aparência de unidade, e os dois precisam de falar com seus stakeholders com uma voz única, porque o desacordo no topo pode levar à confusão e indecisão na empresa e nos seus stakeholders.
Finalmente, o Conselho de Administração deve apoiar este modelo, mas os dois co-CEO não o devem usar como um fórum para resolver os seus litígios.
Contudo, mesmo com estas recomendações, não é um modelo que deva ser usado sem ser antecedido de uma profunda análise das suas vantagens e desvantagens e da sua aplicabilidade legal e de governance ao caso em concreto.