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A rua da estrada - Vidas que vão crescendo nas bermas

Há umas décadas, quem circulava nas estradas atravessava forçosamente localidades. Uma vez aí, a estrada tornava-se rua e deixava de ter um número (como a hoje redescoberta EN2, Estrada Nacional 2) para passar a ter nome.

Há umas décadas, quem circulava nas estradas atravessava forçosamente localidades. Uma vez aí, a estrada tornava-se rua e deixava de ter um número (como a hoje redescoberta EN2, Estrada Nacional 2) para passar a ter nome. À saída da localidade, recuperava a numeração ou adquiria uma nova, até à próxima terra. Hoje, quando se sai de uma autoestrada ou de uma via rápida e nos aproximamos de um espaço urbano, continuamos em estradas que também são ruas. Como se lê no prefácio de “A Rua da Estrada”, assinado por Eduardo Andrade Gomes (na altura, vice-presidente da Estradas de Portugal), estas são “suporte de um urbanismo que escorre pelas bermas”. Para o autor, “mais do que lugar, a Rua da Estrada emerge como resultado da relação, do movimento. O fluxo intenso que a percorre é o seu melhor trunfo e a sua própria justificação”.
Em Portugal – ainda que o fenómeno esteja longe de ser só nosso – encontramos amiúde exemplos de “ruas das estradas”. A sinalética que tudo indica, a amálgama de casas, fábricas, lojas, a forçada convivência de camiões e peões, as bermas inóspitas, os passeios-berma que parecem espaços de ninguém ou mesmo não-lugares, cartazes publicitários em demasia; hoje tudo concorre para tornar as bermas destas ruas que também são estradas em espaços de urbanização excessiva – e, portanto, potencialmente confusos ou mesmo agressivos para quem circula. O conceito emerge dos escombros da dupla perda da “cidade” e do “campo” e da oposição convencional entre o “urbano” e o “rural”.
“A Rua da Estrada” faz parte da interessantíssima colecção “Equações de Arquitectura” da portuense Dafne Editora, que congrega livros das Artes à Matemática, da Engenharia à Música, da Literatura à Química, pois a Arquitectura – no meio da qual todos nos movemos, mesmo que não racionalizemos a sua presença – habita o domínio das ideias.
O autor, Álvaro Domingues, nasceu em Melgaço, em 1959, e é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. Além das funções docentes na Universidade do Porto e noutras universidades, escreve com regularidade sobre geografia urbana, urbanismo e paisagem, tendo uma coluna na edição dominical do “Público”. Além de “A Rua da Estrada” (2010), destacam-se “Vida no Campo” (também da Dafne Editora, 2012) e “Volta a Portugal”, editado pela Contraponto (2017). 

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