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Tribunal de Contas alerta para falhas na aplicação da Lei de Enquadramento Orçamental

O Tribunal de Contas critica o atraso nas reformas da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) que visam melhorar a qualidade das contas públicas. Sinaliza insuficiências neste processo e diz que primeira CGE suscetível de ser elaborada com os instrumentos previstos na LEO será a de 2026 e não a de 2023.

O Tribunal de Contas (TdC) critica, uma vez mais, a implementação da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), apontando atrasos ao processo e alertando para insuficiências no quadro normativo e contabilístico, bem como nos sistemas e tecnologias de informação de suporte e no modelo de controlo interno. Trata-se de concluir uma reforma que passa, nomeadamente, por ter uma nova Conta Geral do Estado (CGE), com mais informação, com o objetivo de garantir “mais qualidade às contas públicas”. Esta é uma das conclusões do relatório de auditoria ao processo de preparação da CGE de 2023, divulgado nesta segunda-feira, 17 de julho.

“Em resultado da auditoria realizada conclui-se, com segurança razoável, que o processo de preparação da primeira CGE a sujeitar a certificação não se encontra suficientemente desenvolvido para dar cumprimento ao disposto na LEO”, avança o relatório, dando conta que não se encontram reunidas as condições necessárias para viabilizar a preparação do conjunto completo de demonstrações financeiras e orçamentais consolidadas, reportadas ao exercício de 2023.

Em causa estão, frisa, um conjunto de elementos que “proporcione uma imagem verdadeira e apropriada da execução orçamental, da posição financeira, das alterações na posição financeira, do desempenho e dos fluxos de caixa dos subsetores da administração central e da segurança social, como se de uma única entidade se tratasse, de acordo com o referencial de relato financeiro e orçamental aplicável, a submeter ao Tribunal até 15 de maio de 2024”.

O TdC recorda que cabe ao Governo apresentar, até 15 de maio de 2024, a CGE de 2023, a qual deve compreender, pela primeira vez, um conjunto completo de demonstrações financeiras e orçamentais consolidadas a sujeitar a certificação do Tribunal de Contas, que a emite até 30 de setembro de 2024, conforme decorre da LEO.

Todavia, frisa, o processo de preparação da primeira CGE a sujeitar a certificação “não se encontra suficientemente desenvolvido de modo a viabilizar a preparação da referida conta, reportada ao exercício de 2023, nos termos da LEO”.

Apesar dos desenvolvimentos concretos já alcançados no contexto da reforma das finanças públicas e da implementação da LEO, o TdC revela que subsistem insuficiências quanto ao quadro concetual, normativo, contabilístico e metodológico de referência; aos sistemas e tecnologias de informação de suporte e à identificação e caracterização do perímetro da nova CGE; bem como insuficiências no processo de consolidação de contas e no modelo de controlo interno e auditoria.

“Os constrangimentos mencionados, e uma vez decorrido cerca de metade do período de relato financeiro, são inultrapassáveis dentro do prazo estabelecido para a apresentação da CGE de 2023, dada a natureza e a profundidade das condições que ainda estão por assegurar, bem como a complexidade e morosidade da implementação das respetivas soluções necessárias”, conclui o relatório.

A instituição que fiscaliza as contas públicas recomenda ao ministro das Finanças "a criação de mecanismos de gestão e controlo que imprimam um adequado ritmo de desenvolvimento do processo de preparação da CGE nos novos moldes, a fim de evitar novos desvios de cronograma".

DGO reconhece não ter condições para cumprir LEO

O relatório do TdC avança que a circunstância de não estarem asseguradas as condições indispensáveis que viabilizem a preparação da CGE de 2023 de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística para administrações públicas (SNC-AP) e com a LEO é reconhecida pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), no contexto das suas responsabilidades na preparação da conta consolidada de 2023. Diz que esta entidade deu conta de que que não dispõe “de condições para assegurar o cumprimento pleno da LEO e SNC-AP, designadamente no que se refere a soluções de recolha e tratamento de dados, bem como conclusão das definições concetuais”.

A DGO sinalizou ainda que a CGE de 2023 será apresentada no modelo que vigorou em ano anteriores, “com eventuais ajustamentos que se revelem oportunos” e prevê a apresentação de demonstrações orçamentais e financeiras no referencial SNCAP em 2027, sendo a sua consolidação progressiva”, em função da execução faseada dos investimentos enquadrados no Plano de Recuperação e Resiliência, em particular, na respetiva Componente 17- Qualidade e Sustentabilidade das Finanças Públicas.

Segundo o TdC, o ministro das Finanças e o Diretor-Geral do Orçamento reconhecem que, em função da “cadência e conclusão de investimentos indispensáveis” enquadrados no Plano de Recuperação e Resiliência, a primeira CGE suscetível de ser elaborada com os instrumentos previstos na LEO será a de 2026.

No mesmo relatório de auditoria é, assim, observado que a ausência de objeto a auditar determina a impossibilidade de certificação da CGE.

O Tribunal recomenda a Fernando Medina a promoção de mecanismos de gestão e controlo que “imprimam um adequado ritmo de desenvolvimento do processo de preparação da CGE nos novos moldes, evitando novos desvios temporais”.

Adicionalmente, recomenda à Assembleia da República e ao Governo a harmonização do prazo legal para a apresentação da CGE, a sujeitar a certificação, com “as reais e indispensáveis condições para o efeito”.

Nova alteração à LEO tinha adiado para 2023 a certificação das contas públicas

Em 2020, uma proposta de alteração à LEO adiou para 2023 parte dos aspetos inovadores da LEO 2015, como a criação da Entidade Contabilística Estado (ECE) e a certificação das contas consolidadas pelo Tribunal de Contas.

Na altura, o então presidente do TdC, Vitor Caldeira, tinha voltado a assinalar a ausência de progressos significativos e de uma calendarização realista de projetos estruturantes para a reforma. O modelo de governação da UniLEO (Unidade de Implementação da Lei de Enquadramento Orçamental) ficou por operacionalizar e a aprovação de diplomas complementares à lei que previssem e enquadrassem o desenvolvimento dos projetos não chegou a concretizar-se.

O Tribunal voltou, então, a frisar a necessidade de uma “liderança forte e de uma estratégia global” em todo o processo e a importância da aprovação da legislação complementar, da definição de um programa piloto e respetiva calendarização da orçamentação por programas, assim como da criação de uma ECE piloto antes de 2023, para garantir os requisitos técnicos e institucionais necessários à efetiva aplicação da LEO.

Recorde-se que a nova Lei de Enquadramento Orçamental nasceu em 2015, era para ser implementada no Orçamento do Estado para 2019, tendo sido adiada para o OE2021 com posteriormente o Governo a pedir para se adiar de novo o processo, com uma das estruturas previstas a ser só criada no OE2023, o último da atual legislatura.

O TdC tem recomendado para uma estratégia de médio prazo uma reformulação do plano de implementação da LEO que atribua prioridade à implementação da ECE e ao processo de revisão e desenvolvimento do quadro legal, assim como a identificação dos responsáveis pela liderança dos processos nos diversos níveis da tomada de decisões.