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Teia de 40 empresas usada em alegada fraude milionária na Altice

Estão sob suspeita negócios de imóveis da antiga PT e viciação de contratos com fornecedores da Altice. Segundo o MP, no esquema de fraude de 250 milhões de euros terão sido usadas sociedades offshore para escapar ao fisco numa teia de empresas que vai desde Portugal e Zona Franca da Madeira, passando pelos EUA e Dubai até à República Dominicana.

O antigo dono da Altice, Armando Pereira, que é hoje ouvido em tribunal, é suspeito de ter desviado do grupo 250 milhões de euros da empresa com a ajuda do seu braço direito Hernâni Antunes através de uma teia de 40 empresas. Terá simulado negócios imobiliários e ocultado proveitos na alienação de património, incluindo imóveis da antiga PT, bem como viciado as decisões de contratação junto de antigos fornecedores da PT. O Ministério Público (MP) investiga crimes de corrupção no sector privado, fraude fiscal agravada, falsificação e branqueamento. Estado terá sido lesado em 100 milhões de euros em impostos.

Segundo a investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a fraude milionária em investigação terá sido garantida por estruturas societárias partilhadas entre Armando Pereira e Hernâni Vaz Antunes que passam por Portugal, Zona Franca da Madeira (ZFM), Alemanha, França, Dubai, República Dominicana e os EUA. O braço direito do co-fundador da Altice terá, alegadamente, prosseguido uma estratégia de manter oculto o seu nome como detentor direto das participações nas 40 empresas às quais fez associar como sócios pessoas da sua confiança ou sociedades detidas pelos mesmos, nomeadamente o seu colaborador Álvaro Gil Loureiro, que também foi detido no final da semana passada, e o seu contabilista Abel Gomes Barbosa.

O MP suspeita que a influência conseguida por Armando Pereira e Hernâni Antunes sobre as decisões de contratação do grupo Altice ter-se-á estendido a outros potenciais fornecedores sobre os quais, alegadamente, era exercida chantagem: para conseguirem contratos com a Altice passaram a ter de aceitar fazer pagamentos e a contratar pretensos serviços a sociedades de Hernâni Antunes.

As suspeitas que levaram à realização das 90 buscas no final da semana passada indiciam a viciação do processo decisório do Grupo Altice, em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência, diz o MP, dando conta da violação de regras a que estavam obrigados os colaboradores do grupo e das sociedades fornecedoras. Em causa está um esquema que terá passado também pela constituição de sociedades na República Dominicana e nos EUA e a atribuição de vantagens indevidas a terceiros, com o MP a dar conta de que esses factos são suscetíveis de constituir crimes de corrupção privada, na forma ativa e passiva.

Nos negócios imobiliários, a investigação suspeita que o ex-dono da Altice, em conluio com Hernâni Vaz Antunes, terá manipulado também o processo decisório da Altice em Portugal relativamente às decisões de alienação de imóveis e tem na mira contratos realizados com Alexandre Fonseca, que desempenhava funções CEO da Altice Portugal, suspeitando que este tenha recebido como contrapartida uma moradia de um milhão de euros em Barcarena, em Oeiras. Segundo o MP, aquela manipulação conduziu à venda de imóveis em condições prejudiciais para o grupo Altice e que terá levado à obtenção de vantagens para Armando Pereira e Hernâni Antunes.

Para os investigadores, ocorreu uma "lesão dos interesses do Estado, em sede fiscal e da verdade tributária”. Os factos indiciam práticas de deslocalização fictícia da domiciliação fiscal de pessoas e de sociedades, com aproveitamento “abusivo” da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na ZFM.

Armando Pereira foi um dos três detidos após as buscas na quinta-feira passada. Foi ao juiz Carlos Alexandre neste sábado, 14 de julho, em Lisboa. Os outros detidos foram Jéssica Antunes, filha de bracarense Hernâni Vaz Antunes), e Álvaro Gil Loureiro, que é colaborador do ex-dono da Altice e do seu braço direito que também é visado nesta investigação iniciada há três anos.

Este inquérito acabou por levar à operação de buscas no final da semana passada devido a alegadas irregularidades na simulação de negócios e a ocultação de proveitos na alienação de património milionário da antiga PT que é hoje detida pela multinacional francesa.

Segundo o MP, a investigação incide sobre factos suscetíveis de constituir crimes de fraude fiscal qualificada, sendo estimado que, diz, ”a vantagem ilegítima alcançada pelos suspeitos em sede fiscal tenha sido superior a 100 milhões de euros”. Está ainda a causa a prática de crimes de branqueamento e de falsificação, com a utilização de estruturas societárias constituídas no estrangeiro.

Negócios sob suspeita

Um dos negócios sob suspeita das entidades portuguesas é a venda de sete prédios em Lisboa. Os compradores têm ligações a um circuito empresarial montado em Braga, na ZFM e no Dubai, com um esquema de circulação de capitais e devolução destes aos vendedores. Este negócio resultou em prejuízo para a Altice Internacional e o Estado português pela forma como não terão sido tributados valores devidos com prejuízo para os cofres estatais.

Na base da investigação está um conjunto de prédios do antigo fundo imobiliário da Marconi, situados na zona de Picoas, em Lisboa, e avaliados em centenas de milhões de euros, mas que foram vendidos abaixo do preço do mercado a sociedades criadas em Braga para o efeito por pessoas de confiança de Hernâni Antunes. É o caso do  contabilista, Abel Barbosa, que também foi  constituído arguido. As sociedades criadas terão alegadamente revendido os imóveis por valores muito superiores aos da aquisição.

O MP está ainda a investigar outros negócios como uma alegada chantagem feita a antigos fornecedores da PT, a quem eram exigidas contrapartidas indevidas para não deixarem fazer parte dos negócios.  Os ganhos obtidos pela contratação facilitada e privilegiada coma Altice terão sido gerados deforma geograficamente dispersa, incluindo outros países europeus com França e Alemanha, passando pela República Dominicana até aos Estados Unidos.

Só entre 2016 e 2022 terão sido faturados 157 milhões de euros através de uma sociedade, como se a mesma tivesse a sua direção efetiva na ZFM, para beneficiarem de taxas de impostos reduzidas em sede de IRC (5%).

Os casos em investigação têm como denominador comum o advogado e empresário desportivo bracarense Bruno Macedo, que os investigadores suspeitam ter servido de placa giratória para a distribuição de comissões ilegítimas com ligações tanto a Vieira como a Pinto da Costa.

De acordo com uma nota divulgada pelo DCIAP do MP, além das buscas na sede da empresa, em Lisboa, foram "realizadas várias dezenas de buscas domiciliárias e não domiciliárias em diversas zonas do país”, numa ação que contou também com o apoio da PSP. Um dos alvos das bucas foi a mansão de luxo em Vieira do Minho, onde o milionário Armando Pereira tem a sua coleção de carros de luxo. Muitos num valor acima de um milhão.

Altice faz investigação interna

Na sequência das buscas, o Grupo Altice informou que “já deu início a uma investigação interna relacionada com os processos de compras e os processos de aquisição e venda de imóveis da Altice Portugal, bem como de todo o Grupo Altice”. Segundo a Telecom, com com efeito imediato, e até nova ordem, o Grupo Altice pediu às sociedades participadas que suspendam qualquer pagamento às entidades visadas pela investigação; suspendam qualquer nova ordem de compra (individual ou parte de um contrato principal) com estas entidades; e que seja reforçado o processo de aprovação do Grupo relativamente a qualquer ordem de compra.

A dona da Meo garantiu ainda estar “a prestar toda a colaboração que lhe é solicitada”, reiterando que “estará sempre disponível para quaisquer esclarecimentos”.

Apreendidos 20 milhões de euros em carros de luxo

O MP deu conta de que “foram apreendidos documentos considerados relevantes para a prova dos ilícitos indiciados bem como objetos representativos do resultado dos mesmos, tais como viaturas de luxo e modelos exclusivos com um valor estimado de cerca de 20 milhões de euros”.

No âmbito de um inquérito dirigido pelo DCIAP e cuja investigação se iniciou há cerca de três anos, a cargo da Inspeção Tributária de Braga, realizaram-se esta quinta e sexta-feira, 13 e 14 de julho, cerca de 90 buscas, domiciliárias e não domiciliárias – designadamente a instalações de sociedades e escritórios de advogados – em diversas zonas do país.